on sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Todos estavam dançando no salão. Para Liz eram apenas máscaras flutuantes, ou pessoas que estavam fazendo o que sempre faziam: se escondendo. Fugindo de suas vidas tediosas e por vezes medíocres. Escapando do odor pungente de suas casas pobres e tentando guiar a vida para outro caminho que não fosse o anonimato.
Aquela era sempre a noite mais agitada do mês, na qual todos tentavam se exibir, porém sempre contendo-se dentro dos limites e padrões da alta sociedade; sempre contendo-se por trás das máscaras. Liz sabia que por trás daquelas máscaras existiam pessoas de mau coração, péssimos exemplos para qualquer um. Maridos e esposas infiéis, boêmios insolentes, dançarinas da noite. Mas o que seria dela se não fosse seu trabalho como cantora?
Liz amava cantar, e o único local que a havia aceitado fora aquele cabaret. Ela jurara a si mesma que não iria mudar apenas por estar convivendo naquele ambiente. Com um mês de serviço ela já esquecera as promessas que fizera. Homens ricos e charmosos tornaram-se o seu esporte favorito. Suas apresentações estavam ficando cada vez mais sensuais. Luxúria percorria cada gota do seu sangue.
Entretanto naquele dia ela estava sentindo-se diferente. Na realidade ela não estava sentindo nada. Acordara insensível e assim permanecera até aquela noite. Nada a comovera. Nada a fizera sentir-se triste ou feliz. Era como uma rocha, totalmente sem sentimentos. E ela queria sentir-se mal por isso, mas não conseguia.
Enquanto estava no salão, observando as pessoas dançarem e fazerem outras coisas, um homem mascarado chamara a sua atenção. Ela perguntara-se se não era apenas mais um, que assim como os outros, nunca mais tornariam a falar com ela após uma noite. Liz então dirigiu-se para fora do salão. O ambiente pesado já estava a deixando mal. Pelo visto seus sentimentos estavam voltando, pois ela estava sentindo-se triste. Essa não era a vida que ela queria. Nada disso havia sido planejado. Nunca fora seu sonho ser uma cantora de cabaret e viver em um ambiente tão inapropriado para pessoas direitas.
Lágrimas corriam pelo seu rosto, como um rio seguindo seu curso em direção ao desconhecido. Liz queria sair dessa vida, encontrar um novo emprego e viver de uma forma menos forçada. O homem que chamara a sua atenção estava aproximando-se. Ele então oferecera um drinque à ela.
É nesse ponto que Liz percebeu que o veneno já estava a possuindo por completo, porque ela sentia sede de estar naquele lugar. Era uma prisão. Mas ela não queria isso. E ela queria isso demais.
Então Liz prometera para si mesma que aquela seria sua última noite, e aceitou o drinque do desconhecido, que era como qualquer outro dos homens que frequentavam aquele cabaret. Ela prometera assim como prometia todas as noites; ela era péssima com promessas.
O veneno da luxúria já a possuía. E então mais uma 'última noite' estava apenas começando.
on sexta-feira, 13 de agosto de 2010
- Eles vão te deixar. Você sabe que eles vão.
Hector ouvia o que Serenity estava falando, ainda que ele preferisse não digerir as ideias que ela estava implantando em sua cabeça. Ele não suportaria imaginar que estava acabado; que toda a diversão e os momentos bons haviam chegado ao fim.
Estavam em um bar, ouvindo boa música. Sentados nos banquinhos do balcão, próximos a toda a variedade de bebidas que havia na casa. Hector arriscava-se tomando drinques que nunca havia tomado, até então. Seus dezoito anos pareciam estar chegando à carroça, pois ele já não aguentava mais ter de esperar. Por sorte ele aparentava ser mais velho e não fora difícil conseguir as bebidas que queria.
Serenity era uma jovem mulher de pele clara, olhos cor-de-mel e cabelos curtos, repicados e escuros. Sua voz era calmante e viciante para qualquer um. Era o tipo de pessoa que todos queriam por perto. Pelo menos todos aqueles que não a conheciam. Na realidade Serenity era ambiciosa ao extremo. Limite era algo que ela nunca tinha ouvido falar. Talvez por isso ela não possuísse amigos de verdade.
Hector era um garoto de ouro. Apesar de não ter muita facilidade nos estudos, ele sempre era o mais empenhado. Era um jovem inconsequente, algumas vezes insano. Porém todos sabiam que era uma pessoa de bom coração, e que todas as sua intenções eram boas, em tudo. Para ele o mais importante eram seu amigos. Ele cultivava sua amizade com cada um, sempre com muito amor. Nem todos sabiam disso, mas ele era o que era apenas por causa dos seus amigos. E ele sempre pensara que os teria para sempre ao seu lado.
O destino havia unido Hector e Serenity naquele instante. Se não estivessem ali, provavelmente não se falariam. Hector estaria com seus amigos e Serenity estaria com as pessoas que andavam com ela. Porém Hector dirigiu-se àquele bar para pensar um pouco em sua vida e em que rumo ela tomaria. Toda essa epifania pelo fato de o colegial ter acabado há pouco tempo, e por ele ter descoberto que seus amigos tomariam rumos diferentes. Por mais que ele quisesse ficar em sua cidade e curtir a vida ao lado dos seus amigos, cada um estava seguindo uma direção diferente. A maioria iria estudar ou procurar emprego em outras cidades. Nunca mais eles seriam o mesmo grupo de amigos de sempre. E isso havia o abatido por completo. Porque os seus amigos eram mais que tudo para ele; eram tão importantes quanto sua própria vida. Eles eram a sua vida.
E enquanto bebia no bar e abria sua caixa de pensamentos para si mesmo, Serenity havia aparecido. Bela e sozinha, como sempre. Ela aproximou-se e começou a conversar, muito embora Hector não estivesse sentindo-se confortável com a ideia de compartilhar seus medos e aflições com uma pessoa como ela. O que ele não esperava era que ela fosse tão boa em interpretar os outros. Logo ela captara o que ele estava sentindo, estava praticamente o despindo, o desarmando. Não demorou muito para que estivessem discutindo.
- Eles vão te deixar. Você sabe que eles vão - disse Serenity, mantendo sempre a calma e seu olhar hipnotizante.
- Eles são meus amigos, nunca irão me abandonar. Nós seremos para sempre o que nós somos - falou Hector, mesmo que ele soubesse que não seria dessa maneira.
- Vamos, Hector. Você sabe que cada um tomará um rumo, e no final das contas os momentos bons que vocês passaram serão apenas lembranças que os deixarão felizes.
Hector apertava o copo com mais força. Cabisbaixo, uma lágrima escorrera por seu rosto. Ele não queria dar ouvidos à Serenity, mas era inevitável o fato de que seus amigos não estariam com ele para sempre.
- Você só tem que começar a seguir o seu próprio caminho. Fazer a sua rota - disse ela, abrindo um sorriso que, incrivelmente, pareceu ser sincero e bondoso. Hector então sorriu de volta.
- Quer dançar? - ela propôs a ele, que assentiu com a cabeça. Talvez fosse apenas necessário que Hector ampliasse seu modo de ver as coisas, afinal a felicidade pode estar escondida onde menos imaginamos.
on quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Havia fogo, muito fogo. O calor dilacerante do ambiente digeria a pele da jovem senhorita. Seus olhos sangravam de pavor, suas vestes reduziram-se a meros trapilhos. Enquanto corria e subia as escadas, o teto da casa em chamas despencava aos poucos, deixando o coração da pobre mulher cada vez mais aflito. Toda a vida que formara, todos os seus patrimônios e prêmios seguiam sendo tragados pelas chamas escaldantes do inferno.
Olhando para o piano com cauda que havia ganhado de um nobre barão que almejava casar-se com ela, a jovem senhorita recordava todos os momentos luxuriantes que passara no salão de sua própria mansão. As bebidas, a boa música, as orgias. Memórias que estavam sendo manchadas e apagadas pelo ardor do fogo.
A jovem dama caminhara até a sua enorme biblioteca. Suas forças estavam esgotadas e ela rendera-se aos pedidos do seu corpo de jogar-se no chão e aguardar pelo momento fatídico de sua morte. Ao mesmo tempo que toda a sua fonte de conhecimento sumia, o fogo corroía a sua pele morena, e ela gritava, como se aquilo fosse uma maneira de amenizar seu sofrimento.
Ela lembrava-se de que não era fácil ser uma mulher rica e de pele morena na sociedade em que vivia. Lembrava-se também que todo o seu legado não seria passado para ninguém, já que ela usara toda a sua vida para aproveitar festas e gastar sua fortuna.
E no momento em que o fogo se apossara de seu corpo; quando seu coração queimava em carne viva e ela estava no limite da vida, ela sentiu arrependimento por ter desperdiçado sua vida da forma errada. E então seu coração queimou em chamas.