on quarta-feira, 21 de abril de 2010
"Ouvi dizer que existem pessoas felizes vivendo além da floresta."
Essa foi a frase que deu início à discussão inacabável entre cinco crianças que moravam desde sempre naquele sossegado vilarejo por entre a floresta. Era um vilarejo pacífico, onde todos se conheciam. Raramente havia brigas entre os moradores, e se ocorresse, rapidamente o asunto era resolvido e a situação amenizada.
O fundador do vilarejo era um homem visionário, que queria nada mais que um estilo de vida alternativo, e buscou na tranquilidade da floresta um verdadeiro refúgio, longe dos problemas que a cidade trazia para ele. Logo ele estava morando em uma cabana simples, porém que supria todas as suas necessidades básicas. Alguns o chamavam de hippie, outros de natureba, ou até mesmo maluco beleza. Ele não ligava, só queria encontrar o seu verdadeiro eu e harmonizar-se através da magia da floresta.
Ao passar dos anos esse estilo de vida foi ganhando adeptos, e mais cabanas foram construídas, a ponto do local tornar-se um vilarejo. Anos depois da morte do fundador foi criando-se uma mitificação quanto ao que havia além da ponte que supostamente levaria os moradores para a cidade grande. A lenda dizia que não existia felicidade além da ponte, e quem ousasse atravesá-la jamais seria digno de retornar à sua comunidade de origem. E isso foi passado de geração em geração.
Sendo assim, em um belo dia marcado pela passagem de uma leve chuva que havia deixado a floresta com aquele cheiro de terra molhada, cinco crianças que haviam nascido no vilarejo e nunca saído de lá conversavam sobre coisas da vida.
"Ouvi dizer que existem pessoas felizes vivendo além da floresta." Foi o que a criança mais nova disse, um garotinho de 9 anos de idade. Cabelos cor de palha, encaracolados e volumosos. Suas vestes eram praticamente iguais a de todos os outros, basicamente bege ou marrom, costurada com tecidos naturais, exalando simplicidade.
As outras crianças olharam para o garoto com os olhos arregalados. "Não seja tolo. Todos nós sabemos que a única maneira de ser feliz é morando aqui. Até uma formiga sabe disso, por isso elas vivem aqui." Disse a criança mais velha, um garoto com cabelos muito escuros, lisos e compridos.
"É verdade. Jamais alguém do nosso povo ousou fugir daqui. Nós moramos no paraíso e não queremos perdê-lo, certo?" Falou a única menina do grupo, citando uma parte dos ensinamentos que aprendia na escola. Era uma garotinha esperta, cabelos dourados e olhos verdes. Era também a mais alta de todos, porém não era a mais velha.
"Mas essa é a minha dúvida. Como podemos saber se moramos no paraíso se nunca saímos dele para conhecer o que há além?" Questionou o garotinho mais novo, e prosseguiu com seus pensamentos pertubadores para seus colegas. "E se existirem mais formigas? E se elas viverem em outro lugar, e ainda assim forem felizes?!"
"Não acho que você esteja bem. Talvez seja melhor levá-lo à enfermaria." Disse outro garoto, um tanto similar ao garoto mais novo. As outras crianças riram, pois a frase foi dita em um tom irônico.
"Vamos embora, deixem esse lunático pensar abobrinhas sozinho." Sugeriu o garoto mais velho, seguindo rumo à seu vilarejo, e todas as crianças o seguiram, exceto o garoto mais novo. Ele continuava ali, sentado na grama, olhando para aquela pequena ponte de madeira e para aquele misterioso objeto comprido com uma bola branca em cima, e imaginando o que aquilo seria. Ele continuava a imaginar se suas teorias seriam verdadeiras, afinal ele acreditava que havia algo mais.
Sempre havia algo mais. E ele sentia que precisava lutar por seus ideais, mesmo que sem o apoio de nenhum dos seus colegas. Ele só precisaria de tempo para por em prática seu plano, e logo iria descobrir o que havia além da pequena ponte de madeira. E o que havia além da floresta, e o que havia além do além da floresta...
on sábado, 17 de abril de 2010
Violeta era uma menina que adorava azul. Todo o seu quarto era decorado em azul. Sua cama era azul, seu guarda-roupa era azul e todas as suas roupas eram azuis. "As pessoas acham você uma louca, sabia disso Violeta?" era o que sua melhor amiga, Margarida, sempre dizia. Mas Violeta simplesmente preferia ignorar a opinião dos outros. Seu mundo seria perfeito se todas as coisas fossem azuis, porque azul era uma cor que a deixava feliz.
Seus pais tentaram mudar a obsessão em azul que ela possuía, mas não foram felizes em suas mais variadas tentativas. Sempre a presenteavam com presentes de diversas cores, mas Violeta sempre mostrava-se plenamente feliz quando o presente era azul.
Elvis Chocolate era o nome do seu pai, o doceiro mais famoso da cidade. E Elvira Chocolate era sua mãe, a segunda doceira mais famosa da cidade. Ambos eram negros e sofriam todos os dias com o racismo da população predominantemente branca da cidade. Muitas pessoas entravam na loja com água na boca por verem tantos tipos de doces, mas saíam resmungando ao descobrirem que os donos do estabelecimento eram negros. Elvis e Elvira só queriam que sua filha não sofresse tanta discriminação. E Violeta sofria em dobro, pois além de ser negra, era obcecada em azul.
Não restavam dúvidas que se ela pudesse optaria por ser azul.
Mas os anos foram passando e o azul de Violeta foi desbotando. Ela foi crescendo e tornando-se uma mulher cinza. Seus pais não faziam mais os mesmos doces gostosos de antes, e ela os sustentava, pois trabalhava em uma grande empresa e usava uma roupa formal cinza. Agora ela morava em um enorme prédio no centro da cidade. A agitação era o que ela queria, e a tranquilidade que fora sua infância e juventude ficara pra trás na casa dos seus pais, na antiga vizinhança em que ela vivia.
Em mais um dos seus dias corridos e atarefados, Violeta estava em seu escritório e recebeu um telefonema inesperado. Era sua amiga de infância - Margarida -, que havia tornado-se a melhor corretora de imóveis da cidade.
"Olá Violeta, darei uma festa de aniversário para meu filho mais velho hoje à noite na casa dos meus queridos pais, na vizinhança em que passamos nossa infância e juventude, espero que você apareça. Não tenho mais tempo para falar pois estou sempre ocupada. Qualquer coisa mande uma mensagem. Beijos e até loguinho." Violeta e Margarida já não eram mais melhores amigas, e o tempo havia liquidado a forte amizade que sentiam uma pela outra. Passaram a ser apenas amigas de infância.
Por questões de bons modos Violeta confirmou sua presença na festa do filho mais velho da sua amiga de infância, Margarida. No caminho para a festa ela foi lembrando-se de todos os momentos bons que passou naquela vizinhança. Foi percebendo que era muito feliz, apesar de tudo. E sentiu muita falta dos tempos em que o azul a deixava estonteantemente feliz. Agora sua vida era cinza, e essa cor não a deixava nenhum pouco feliz.
Após a festa Violeta fez uma rápida visita à casa dos seus pais, que estavam cozinhando doces, como de costume. Ela cumprimentou-os com um abraço amoroso e um beijo na bochecha de cada um, e seguiu pela casa, relembrando a importância de cada momento do passado em sua vida. Ela então entrou em seu antigo quarto, e notou que todo aquele azul vívido que antes era predominante, agora não passava de um azul desbotado.
Violeta jamais seria a mesma que ficava feliz por causa do azul, pois o tempo havia desbotado o azul que alegrava seus dias. Porém Violeta podia, sem dúvida, ficar feliz apenas pelo fato de lembrar que um dia o azul a fez feliz, e que muitas outras Violetas ainda iriam sentir-se assim, e lembrar-se que o tempo pode até desbotar o azul que a alegrava tanto, mas nunca poderá levar as lembranças guardadas com tanto amor em seu coração.
on sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ele tinha uma vida perfeita. Recebera a melhor educação desde cedo, sempre tirando as melhoras notas e orgulhando seus familiares. Fizera um ótimo curso em seu período universitário e logo estava bem empregado. Sempre foi engajado em tudo o que fazia.
Aos 25 estava casado com 'o amor da sua vida', uma mulher linda e gananciosa - e isso é apenas um detalhe, afinal o dono da história é 'Ele'. Seguiu sendo promovido, mudando-se do apartamento de recém-casado para uma enorme casa com um enorme e bem-cuidado jardim. Uma casa perfeita para uma família grande e feliz.
Aos 30 - idade do sucesso -, não poderia estar mais feliz. Dois carros na garagem, dois filhos traquinando pela casa, uma esposa que o esperava chegar do trabalho e o recebia carinhosamente com um beijo.
Ele sempre seguira os padrões que a sociedade lhe impunha. Mas ele sabia que faltava algo. Sempre faltava algo. Nunca estava completo, porém ele não sabia o que faltava. Não conseguia definir uma palavra para aquilo, porque a sociedade o proibíra de pronunciar aquela palavra. Era um sentimento guardado à sete chaves e mergulhado em solidão dentro do seu peito.
Certo dia, ao sair do escritório, ele estava sozinho no elevador. Tudo seria normal como sempre fora. Progamado e automático. Ele seguiria para o estacionamento e entraria em seu complexo carro, enfrentaria um tedioso trânsito - e assistiria um dvd de MPB enquanto esperava os carros se movimentarem -, chegaria em casa e seria recebido pelos seus dois filhos com um forte abraço e algumas reclamações, depois seria beijado por sua mulher, que tiraria seu terno e carregaria sua pasta até o quarto, e conversaria com a mesma, geralmente sobre coisas supérfluas como 'O que será nosso jantar hoje?' ou 'Está gostando das aulas de ioga?' ou até mesmo 'Seu personal trainer veio aqui hoje ou você foi até a academia?'. Mal sabia ele que raramente sua esposa treinava com o seu personal trainer ou fazia aula de ioga, e que ela quase sempre saía com o 'personal trainer' para suprir suas necessidades que não estavam sendo totalmente preenchidas em seu 'casamento perfeito'.
Porém naquele dia não foi dessa maneira. A porta do elevador estava prestes a fechar, até que uma mão delicada e comprida parou a porta, que automaticamente abriu-se novamente. Ele viu uma mulher absolutamente deslumbrante - carregando uma caixa de papelão, e ainda assim deslumbrante -, tinha cabelos dourados, lisos e compridos, um sorriso cativante e olhos encantadores e doces. Ele ficou nervoso ao ajudá-la a carregar a caixa de papelão, mas a história seguiu mesmo com seu nervosismo descontrolado. O sentimento de simpatia que ele sentiu por ela foi recíproco, e em pouco tempo os dois estavam em um café, não muito distante do escritório. Ela estava trabalhando no mesmo prédio que ele, pois sua irmã possuía um escritório e estava precisando de uma assistente.
Logo ele descobriu que ela não estava tão a fim de trabalhar em um escritório. Logo ele descobriu que ela era um ser selvagem, que exalava adrenalina. Ele ficou fascinado por ela, pois ela era o oposto de qualquer pessoa que passara pela vida dele. Já passara das oito da noite, e começara a chover. Ela teria de pegar um táxi para ir para casa, e ele não estava nem um pouco a fim de ir para casa. Ela sabia que não era muito apropriado convidar um estranho para ir em sua casa logo na primeira vez que o conhece, mas o fez. Ele sabia que não era muito apropriado aceitar tal convite, pois sua esposa o estava esperando em casa, ansiosa para conversar mais uma vez com ele (e era assim que ele sempre pensara), mas aceitou a proposta. Seguiram então para a casa dela.
Ele, fascinado com o número de países que ela havia visitado, e o número de culturas que ela havia conhecido. Não demorou muito para os dois se beijarem, e se renderem à paixão que estavam sentindo um pelo outro. Ela, porém, não sabia da existência da esposa dele.
No outro dia, ao acordar na cama dela, ele simplesmente esqueceu de todos os seus problemas. Sim, porque ele simplesmente despertou para a vida. Não a vida real, claro, pois a vida real não passa de um muro acinzentado em que você não pode tirar o olhar do mesmo. Ele finalmente despertou para a vida de ilusões, sonhos e emoções. A vida intensa, a vida à flor da pele. Ele acordou e sorriu, acariciando o rosto dela. E finalmente se deu conta de que o sentimento que faltava em sua vida era o sentimento de liberdade.
Agora ele era um homem livre. Estava para sempre libertado da sua vida monótona e sem graça. Ela então lançou-lhe uma nova proposta, a de viajar pelo país à fora, sem compromisso. Ele só queria dar adeus à tudo e à todos que faziam parte da sua vida medíocre, e ali estava ele, no carro, com ela, em uma estradazinha simples, indo para lugar nenhum. Os dois estavam mais do que felizes.
Mas o que o destino reservava para ele e para ela?
Uma incerteza, pois ambos romperam os limites que a sociedade determinara. E talvez, um dia, ele teria de lidar com a vida que deixou para trás. E ela teria de lidar com a vida que nunca teve. E ele e ela não seriam mais eles.
Isso não importava no momento, porque eles estavam felizes. E enquanto fossem eles, o resto não passaria de detalhes.