"Quem se importa, afinal?", pensava eu.
"Eu me importo", respondia minha outra metade. E em meio a esse embate, a essa dicotomia que rachava minha alma ao meio, sem se importar com a integridade dos meus sentimentos, fui percebendo que era hora de voltar. Sim, pois as palavras, quem diria, logo as palavras, tão traiçoeiras, insinuosas e poderosas, sentiam falta de mim. Gritavam em agonia clamando por meu retorno. Mas havia as mudanças...
Onde estaria aquela inocência? Em que o universo havia me transformado? Por que aquela sede por sangue, pela desgraça, pelo infortúnio? Por que aquele desejo de se perder e nunca mais se achar? Por que tanta raiva? Por que tanto ódio? Por que tantos 'tantos'? Quando ia parar?
Ao passo que meu coração ia se contorcendo, espremendo um denso e sujo líquido para fora, meus olhos se abriam, e se abriam, e se abriam ainda mais, até que pude enxergar o horizonte iluminado que estava bem diante de mim. Rufos de tambores, o bater de asas e muita luz. O sol está nascendo. O sol sou eu, você, em forma de sorrisos. Os corações que se purificam iluminam a vida de alguns, que sorriem, purificam seus corações e iluminam as vidas de mais outros alguns. E assim se abrem os caminhos para a salvação.
Mas e as mudanças? Para o inferno com as mudanças! Eu quero mesmo é mudar. Sinta a dor e perceba que estão brotando asas em suas costas. O incômodo foi necessário e temporário, mas a liberdade será eterna. Para sempre voaremos em direção a luz, desde que possamos abrir os olhos e enxergar o horizonte luminoso que está diante de nós, em forma de sorrisos, em forma de gente, em forma de vida.
Meditative Rose, Salvador Dalí, 1958