on domingo, 30 de setembro de 2012
Tanto tempo, tanto mundo, tanto tudo. Tanto chão se foi andado, tanto amor se foi gastado, tantas lágrimas se foram perdidas. Os pássaros já não silvam como antes, o céu já não brilha como antes, nem mesmo meu coração palpita no mesmo ritmo dantes habituado. Tudo muda. Somos todos movidos pelo impulso da mudança. Estamos todos condicionados em uma cápsula individual e transcendental que nos obriga a mudarmos. Por muito tempo relutei em voltar, pois nada mais me motivava a continuar expelindo os sentimentos do âmago do meu ser. 

"Quem se importa, afinal?", pensava eu. 

"Eu me importo", respondia minha outra metade. E em meio a esse embate, a essa dicotomia que rachava minha alma ao meio, sem se importar com a integridade dos meus sentimentos, fui percebendo que era hora de voltar. Sim, pois as palavras, quem diria, logo as palavras, tão traiçoeiras, insinuosas e poderosas, sentiam falta de mim. Gritavam em agonia clamando por meu retorno. Mas havia as mudanças... 

Onde estaria aquela inocência? Em que o universo havia me transformado? Por que aquela sede por sangue, pela desgraça, pelo infortúnio? Por que aquele desejo de se perder e nunca mais se achar? Por que tanta raiva? Por que tanto ódio? Por que tantos 'tantos'? Quando ia parar? 

Ao passo que meu coração ia se contorcendo, espremendo um denso e sujo líquido para fora, meus olhos se abriam, e se abriam, e se abriam ainda mais, até que pude enxergar o horizonte iluminado que estava bem diante de mim. Rufos de tambores, o bater de asas e muita luz. O sol está nascendo. O sol sou eu, você, em forma de sorrisos. Os corações que se purificam iluminam a vida de alguns, que sorriem, purificam seus corações e iluminam as vidas de mais outros alguns. E assim se abrem os caminhos para a salvação. 

Mas e as mudanças? Para o inferno com as mudanças! Eu quero mesmo é mudar. Sinta a dor e perceba que estão brotando asas em suas costas. O incômodo foi necessário e temporário, mas a liberdade será eterna. Para sempre voaremos em direção a luz, desde que possamos abrir os olhos e enxergar o horizonte luminoso que está diante de nós, em forma de sorrisos, em forma de gente, em forma de vida. 

Meditative Rose, Salvador Dalí, 1958


on segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Dia primeiro


Olhos vermelhos reluzem a minha frente. Assustados, demasiados de pavor, dignos de pena. Fixam-se em mim, mas não apenas em mim. Observam todo o meu interior, como se soubessem a podridão de meus sentimentos mais internos. Conseguem submergir nas profundezas da minha alma, capturando meus maiores temores, transformando meus pesadelos míticos e inclementes, excessivamente depreciativos, em algo que não posso ver. Será que os olhos querem me destruir? Eles podem. Eles têm a maior arma: eles me conhecem. Sinto pavor, apesar de sentir os próprios olhos apavorados com um medo tão intenso quanto o meu. Posso me render agora? Silêncio. Resisto. Pisco; eles piscam. Pisco novamente; eles repetem o movimento. Não pode ser, penso. Mas é. Os olhos vermelhos são também meus olhos, e o médico e o monstro finalmente se encontram. 

Dia segundo

Reprogramar é a palavra. Ou melhor, é a ação. Melhor dizendo, pretensão. Será que sou capaz? Os sinais me mostraram que eu posso, se quiser. Mas será que eu quero? Estou a um passo de enlouquecer. Minha cela se tornou pequena e insubstancial demais, enquanto meus devaneios tornaram-se mais sólidos, violentos e selvagens. Sim, é hora de reprogramar. Por onde começar? Talvez seja hora de jogar um balde de tinta na vida. O preto e branco já cansou. Mudar os móveis de lugar, rever colegas, buscar prazeres. Preciso remodelar a vida. Não mais serei aquele que está para morrer. Serei aquele que está para viver, e viver bem!

Dia terceiro

Pereço em minha cama, observando a tinta de minha vida desbotar. Viva, a dualidade de cores está de volta! Não há o que comemorar. Bastou uma noite de sono mal-dormida, uma ida à cozinha durante a madrugada e um punhado de reflexões para me deparar com a essência de quem eu realmente sou: um fracasso. Não é de se espantar que todos me largaram. Amores, amantes, amigos... Existiram eles algum dia, afinal? Tudo tão distante, tão amargo. Nunca os mereci, de verdade. O veneno no armário da despensa pareceu tão sugestivo, de repente. Talvez só assim para eu atingir a perfeição que tanto procurei: deixando de existir. O ápice de minha agonia finalmente chegara ao fim. Adeus, tenho mais o que fazer. Preciso de uns goles de passagem para o fim.   


Sr. Moribundo Pessoa