on sábado, 24 de julho de 2010
A janela estava aberta, o ar estava bastante gelado e ele remexia-se na cama de tanto frio. Pegara várias colchas e cobrira-se. Para ele era uma forma de proteger-se e esquecer que havia um mundo que o fazia cada vez mais triste fora do seu apartamento. Seu nariz estava obstruído, respiração congestionada. Consequência da noite lacrimosa que ele tivera.
Seu coração doía constantemente; parecia algo proposital. Sempre que ele pensava em esquecer o que havia ocorrido, seu peito doía. Era como se estivessem perfurando seu coração, e com muita vontade. Isso tornava tudo mais difícil para ele. Esquecer que ele nunca mais a teria, saber que ela nunca mais seria dele.
Ele saiu da sua cápsula protetora e resolveu observar as luzes da cidade grande através da janela. Para sua surpresa, ainda não era dia. Olhou no relógio e constatou que eram três da manhã. Isso era ruim, muito ruim. O tempo simplesmente não corria da mesma forma quando ele não estava com ela. Seus olhos, que já estavam úmidos e cansados de chorar, não se opuseram à vontade do seu corpo de tentar aliviar a dor que ele estava sentindo no momento. E novamente ele desatou a chorar. Uma parte dele se fora com ela, e ele só a teria de volta se também tivesse ela de volta.
De certa forma ele sabia que as coisas melhorariam, porque sempre há uma força misteriosa e reconfortante que brota em todos nós, sempre nos piores momentos, e que nos permite suportar toda a dor e carência; todo medo e perda. Mas naquele momento ele podia lamentar, porque ele queria tanto tê-la para ele em todos os instantes de sua vida, e ele sabia que não seria mais assim. A menos que ele lutasse por isso.
on domingo, 18 de julho de 2010
O problema em ser uma pessoa de bom coração, e que não consegue enxergar a maldade nas outras pessoas, é que quase sempre essa pessoa acaba priorizando os problemas das outras pessoas, os sentimentos das outras pessoas e as lamentações das outras pessoas ao invés dos próprios problemas, sentimentos e lamentações. Elas geralmente dizem sim para tudo e esquecem de pensar se realmente são capazes de fazer o que a outra pessoa está pedindo. Para elas o importante é ajudar, e só. Não que isso seja de todo ruim, porém não é muito saudável deixar você de lado. Pensar em si mesmo é importante, fundamental. Isso não se chama egoísmo, se chama amor-próprio.
Marcos era uma dessas pessoas que não ouviam seus próprios desejos para poder satisfazer os desejos dos outros. Formado em veterinária, era dono de uma clínica que atendia animais de pequeno porte. Ganhava um salário muito bom e proporcionava tudo do bom e do melhor para sua família. Sua esposa o ajudava de vez em quando na clínica. O filho mais velho tinha sete anos, o mais novo, quatro. Sua vida era bastante agradável.
Mas definí-lo em uma palavra era fácil: insegurança. O maior medo de Marcos era perder todos os que estavam a seu redor, e por isso ele não hesitava em nada que lhe fosse pedido. Ninguém precisava implorar nada à ele, porque ele simplesmente fazia tudo sem questionamentos. Isso estava o desgastando e logo ele não teria mais ânimo para nada. Algo precisava ser feito, e eu teria de o fazer.
Muitos me chamam de anjo, mas definitivamente não chego a tanto. Assumo a forma de uma mulher elegante e imponente. Vago pelo mundo me alimentando do medo e insegurança dos humanos, porém com o intuito de eliminá-los de vez e causar uma mudança na mente dos covardes e oprimidos. E para isso bastava-me uma noite. O melhor método era o que eu usara sempre: adentrar nos sonhos do alvo e transformá-los em pesadelos. Não pesadelos quaisquer, mas fazer florescer os maiores medos e tensões da pessoa, e depois mostrar que sempre há uma saída, por mais escuro que esteja o túnel.
Mudar a mente de Marcos foi fácil. Fiz ele sonhar que sua esposa havia o deixado, e que seus filhos preferiam o padrasto à ele. Como eu suspeitava, ele perdera todo o seu ânimo e uma melancolia profunda dominou seu corpo, mesmo que em um sonho. Então fui introduzindo ideias em sua cabeça, coisas que o faziam perceber que as pessoas que o amavam não o abandonariam tão facilmente, e que ele precisava dar mais valor a si mesmo.
Com a sensação de dever cumprido, sentei na janela do quarto dele e tornei a olhar para a cama em que Marcos estava. A forma como ele abraçava a sua mulher era bonita de se admirar. Ali era possível encontrar o amor verdadeiro.
Meu coração encheu-se de tristeza, porque eu nunca poderia ter uma família como a dele, e nunca poderia saber como era o amor. E por um momento eu desejei não ser o que eu era; por um momento desejei não ter que vagar eternamente em busca do medo dos humanos. Abri minhas asas escuras e saí voando pelo céu escuro e gélido da cidade.