on segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Dia primeiro


Olhos vermelhos reluzem a minha frente. Assustados, demasiados de pavor, dignos de pena. Fixam-se em mim, mas não apenas em mim. Observam todo o meu interior, como se soubessem a podridão de meus sentimentos mais internos. Conseguem submergir nas profundezas da minha alma, capturando meus maiores temores, transformando meus pesadelos míticos e inclementes, excessivamente depreciativos, em algo que não posso ver. Será que os olhos querem me destruir? Eles podem. Eles têm a maior arma: eles me conhecem. Sinto pavor, apesar de sentir os próprios olhos apavorados com um medo tão intenso quanto o meu. Posso me render agora? Silêncio. Resisto. Pisco; eles piscam. Pisco novamente; eles repetem o movimento. Não pode ser, penso. Mas é. Os olhos vermelhos são também meus olhos, e o médico e o monstro finalmente se encontram. 

Dia segundo

Reprogramar é a palavra. Ou melhor, é a ação. Melhor dizendo, pretensão. Será que sou capaz? Os sinais me mostraram que eu posso, se quiser. Mas será que eu quero? Estou a um passo de enlouquecer. Minha cela se tornou pequena e insubstancial demais, enquanto meus devaneios tornaram-se mais sólidos, violentos e selvagens. Sim, é hora de reprogramar. Por onde começar? Talvez seja hora de jogar um balde de tinta na vida. O preto e branco já cansou. Mudar os móveis de lugar, rever colegas, buscar prazeres. Preciso remodelar a vida. Não mais serei aquele que está para morrer. Serei aquele que está para viver, e viver bem!

Dia terceiro

Pereço em minha cama, observando a tinta de minha vida desbotar. Viva, a dualidade de cores está de volta! Não há o que comemorar. Bastou uma noite de sono mal-dormida, uma ida à cozinha durante a madrugada e um punhado de reflexões para me deparar com a essência de quem eu realmente sou: um fracasso. Não é de se espantar que todos me largaram. Amores, amantes, amigos... Existiram eles algum dia, afinal? Tudo tão distante, tão amargo. Nunca os mereci, de verdade. O veneno no armário da despensa pareceu tão sugestivo, de repente. Talvez só assim para eu atingir a perfeição que tanto procurei: deixando de existir. O ápice de minha agonia finalmente chegara ao fim. Adeus, tenho mais o que fazer. Preciso de uns goles de passagem para o fim.   


Sr. Moribundo Pessoa