on quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Quando senti que não podia, persisti. Quando achei que não valia mais a pena, tudo valeu. Meus esforços contínuos de transformar a vida em algo mais prazeroso e divertido não deram frutos aparentes, mas no meu interior eu conseguia sentir claramente a chama do amor acesa, perpassando por cada fibra vivente do meu corpo. E muitos me perguntaram se eu tinha batido a cabeça.
Talvez tenha sido apenas difícil para todos aceitar que a vida tinha finalmente chegado para mim. Ora, uma pessoa não pode simplesmente sair de uma temporada de depressão novinho em folha? Claro que pode. Enxergar o mundo de uma forma diferente apenas por ouvir palavras bonitas e reconfortantes, ou por receber um sorriso ou carinho de alguém que gosta. Isso é algo importante. O mundo precisa disso cada vez mais. O mundo quer.
Um ano que se vai, deixando um rastro de vibrações positivas e negativas. As coisas positivas que vivemos ficaram para trás, mas no nosso coração descansarão eternamente, sendo permitidas visitas constantes no momento em que desejarmos. E as coisas negativas? Deixemos onde merecem ficar, meus amigos. Deixemos todas para trás, onde ninguém, nunca, poderá tocá-las. Nos atentemos para o mundo novo que está a nossa frente, cintilando de amor, saúde e boa energia. Abramos sorrisos dignos de contagiar os próximos e espalhemos todas as boas vibrações que nossos corações permitirem. Sejamos felizes, acima de tudo, e logo seremos imbatíveis.
on terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Formara-se um nó tão grande em sua garganta que ele praticamente podia sentir sua pele elevar-se. Rui, esse era seu nome, sempre procurou ser uma pessoa amável e atenciosa com todos, até mesmo com aqueles que não mereciam. Era o tipo de homem que contagiava à todos com sua notável simpatia. Certa vez ele conseguira evitar uma briga que certamente teria um fim trágico, apenas dialogando e sorrindo. Isso o fizera ficar bastante conhecido por todo o pequeno povoado em que morava, que era excessivamente pacato.
Morava em um chalé rodeado por árvores e animais da região, um pouco afastado do centro da cidadezinha. No auge de sua mocidade conhecera Mona, a bela nova professora de Língua Portuguesa da cidade, com quem viria a se casar alguns anos depois. Juntos tiveram quatro filhos: Pedro, Tomás, Mateus e a caçula Helena. Criaram seu filhos alegremente, alimentando a semente do amor que plantaram em toda a família a partir do momento em que se deram conta de que haviam encontrado o verdadeiro amor de suas vidas.
Certa noite, Rui ganhara uma boa recompensa em seu trabalho, deixando seus bolsos mais gordos e seu ego mais inflado. Fazia muito tempo que ele não podia fazer um agrado para sua esposa; era difícil liquidar todas as despesas que tinham com seus quatro filhos. Apesar de viverem em uma cidade pequena e das crianças estudarem em escola pública, ainda havia contas a pagar e a questão de alimentar cinco bocas além dele. Seu salário não era muito alto - Rui trabalhava como gerente de uma grande loja de materiais de construção. Portanto, naquela noite, ao sair do trabalho, Rui decidiu que iria até a cidade vizinha - que era claramente mais desenvolvida que a sua - e compraria um lindo colar para Mona; o mais bonito que pudesse comprar.
Dirigiu com seu carrinho surrado até a cidade vizinha. Ligara seu rádio de pilha para acompanhar a partida de futebol que seu time jogava no momento. A estrada estava congestionada, atrasando um pouco o trajeto. Por isso Rui ligou para casa e avisou que chegaria tarde, dando a desculpa de que teria de trabalhar um pouco mais.
Ao chegar à cidade estacionou seu carro em uma rua pouco movimentada e seguiu à pé até a alameda arborizada que dava acesso as lojinhas que Rui tinha em mente. Fora ali que comprara o primeiro presente que dera à Mona e ainda podia lembra-se como se fosse ontem.
O conjunto de lojas estava aberto, porém a maioria das lojas encontrava-se fechada. Por sorte a joalharia estava aberta, e Rui pode escolher o colar perfeito - era prateado, perolado, fino e continha um pingente em forma de coração, sutil, luzidio e cuidadosamente talhado.
Rui saiu da loja com um largo sorriso estampado no rosto. Mal conseguia se conter de ansiedade para presentear Mona com o colar. Queria vê-la feliz; queria deixar bem claro que ele ainda a amava muito e que esse sentimento perpetuaria por todo o universo.
Enquanto passava pela alameda arborizada que o levaria de volta ao seu carro, Rui ouviu alguns ruídos estranhos. Estava apressado para chegar em casa, porém não antes de verificar o que estava acontecendo. Logo ele ouviu barulhos de soco. Alguém estava sendo violentamente agredido. Rui escondeu-se atrás de uma árvore e tornou a olhar para o local de onde os sons vinham.
Um homem alto, forte e usando um gorro preto estava surrando um outro indivíduo, que encontrava-se ajoelhado e completamente ensanguentado. Não havia mais nenhum vestígio de feição humana em seu rosto - estava totalmente desfigurado. Rui não suportaria dar meia-volta e ir para casa sabendo que poderia ter ajudado. Seu coração não funcionava assim. Ele tinha de ajudar.
- Ei, você aí! - indagou Rui, apontando para o malfeitor.
- Dê o fora - disse o encapuzado friamente.
- Não. Deixe a pessoa em paz - bradou Rui, aproximando-se cautelosamente do malfeitor.
Rui sentiu que precisava agir calmamente e fazer com que o mascarado saísse por vontade própria. O que ele não esperava era que o rapaz, agilmente, desembainhasse um revólver e atirasse friamente e sem piedade bem no meio da testa do indivíduo ajoelhado.
Rui olhou estagnado para a cena. Jamais encontrara alguém tão sem coração como aquele homem. Nunca em sua vida imaginaria que matar fosse um ato fácil e rápido para alguém.
- Sinto pelo que viu - falou o assassino. - Não posso deixá-lo ir. Não posso arriscar tudo depois do que passei - continou a falar, dessa vez de maneira mais sombria, mirando seu olhar para o chão.
E em uma fração de segundo, Rui não estava mais lá. Apagara, sentira o chão sumir e mergulhara em uma escuridão total.

O sol iluminava fortemente o lugar, porém Rui não conseguia sentir o ardor do dia, muito menos seus olhos doíam com a claridade. Era como se estivesse perfeitamente adequado ao ambiente. Só então ele notou que as pessoas passavam por baixo dele. Estava mais alto do que todos, flutuando sobre a pracinha no centro da cidade em que morava. Atônito, Rui começou a sentir que estava descendo suavemente, até tocar os pés no chão.
Não conseguia lembrar de nada. Apenas sabia que estava ali, e aparentemente ganhara a incrível habilidade de flutuar. Talvez estivera apenas sonhando. Um estranho delírio que o fizera pensar que estava flutuando. Enquanto pensava, muitas pessoas vestidas de preto saíam da capelinha da cidade. Mas quem será que morreu? Pensou Rui, dirigindo-se, aturdido, até a entrada da capelinha. O que mais achou estranho foi o fato de várias pessoas cruzarem o olhar com o dele, mas não retribuírem o olhar. Apenas continuavam a fazer o que estavam fazendo. Parecia que estavam fingindo não o ver.
Rui entrou na capelinha. Podia sentir a atmosfera mais densa. Havia poucas pessoas sentadas nos banquinhos de madeira, e logo ele conseguiu distinguir quem eram.
Seus filhos e sua esposa choravam abraçados, consolando-se uns aos outros. E então um baque de pensamentos o atingiu. Ele lembrara do que havia acontecido na noite em que fora até a cidade vizinha comprar um colar para Mona. Mas Rui recusava-se a pensar no que podia ter acontecido.
- Estou aqui! Cheguei! - gritou Rui, prostrando-se em frente a sua família. Tudo o que queria era que eles o enxergassem. Queria que eles vissem que estava bem.
Rui então olhou para o caixão que encontrava-se no fundo da capela. Não queria acreditar. Simplesmente não podia acreditar. Aproximou-se do caixão e viu o que mais temia. Formara-se um nó tão grande em sua garganta que ele praticamente podia sentir sua pele elevar-se. Sem conseguir conter-se, Rui debruçara-se em lágrimas. Não sabia mais o que fazer, para onde ir. Estava morto. Sim, estava definitivamente morto.
Ele permaneceu olhando para seu próprio corpo, tão imaculado e limpo, colocado graciosamente no caixão. Estava coberto de flores e tinha um poster com sua foto e uma linda mensagem da sua família. Nada pior poderia acontecer. Até que, subitamente:
- É estranho, não é? Digo, estar morto.
E Rui não acreditava no que estava vendo.
on segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Chegou a hora. O ápice de toda a minha paciência; o cume finalmente ferveu e explodiu meus miolos. Os queimou e transformou em labaredas vivazes. Labaredas essas que ainda me faziam recordar de todo o passado que eu sempre quis esquecer. No fundo existia algo que me obrigava a olhar para trás e tentar esboçar um sorriso. Mas não era a mesma coisa. Depois que algo tão forte quanto um relacionamento - seja ele amoroso ou uma forte amizade - é destruído, nada pode fazer com que os cacos unam-se novamente. Nada. Eu tentei. Nós tentamos. Não deu. Simplesmente as coisas chegaram a um nível tão deplorável que não suportávamos mais nos olhar. Eu sentia repúdio em tê-la como companheira. Um mês depois estávamos nos mudando. Nos divorciando, para ser mais preciso. Ainda que não fóssemos legalmente casados, o pior dos divórcios é o divórcio do amor. A separação entre duas pessoas que um dia não conseguiam deixar de se olhar e fazer juras verdadeiras de amor. Acontece que chegou a hora de desabafar. Se é para explodir, que explodamos todos.
Não se preocupem, eu nem sempre fui essa criatura amargurada em que me tornei. Como eu disse anteriormente, um dia eu tive uma namorada. Logo, um dia eu amei. Pude sentir o que todos os apaixonados sentem. Meu coração palpitava mais rápido e eu perdia o fôlego quando a via passar. Sim, tive um amor juvenil. Tive todas as experiências boas de uma juventude sadia. Contudo, o mundo é muito mais complexo do que nós imaginamos. E quando eu digo "imaginamos" acabamos literalmente imaginando. Quando você pensa estar no controle você simplesmente não está. E quando você acha que pode dar as costas, é justamente quando você mais precisa estar no controle.
Minha história é como o mundo - tão complexa que não vale a pena ser fragmentada e explicada. Fazendo um breve balanço de tudo o que aconteceu: me apaixonei, me casei, descobri da pior maneira que minha amada tinha um caso com meu melhor amigo, descobri que meus pais mantinham relações extraconjugais. Foi demais para mim. Não pude suportar o fato de que ninguém era o que parecia ser. Não pude evitar o fato de me tornar um odiador. Odeio tudo que acontece ao meu redor. Odeio as pessoas que tentam se dirigir a mim; odeio as pessoas que não tentam se dirigir a mim; odeio meu presente, meu passado e posso pressentir que também odiarei meu futuro.
Meu coração não foi apenas destruído. Meu coração foi petrificado. É algo que eu não desejo a ninguém, mesmo.
Hoje eu vago pelo mundo, sem rumo, sem roteiro, sem medo. Hoje eu sou apenas a sombra do que um dia fui. Não existo mais. Não sinto.
Mas no fundo eu sei o que estou procurando; no fundo tenho a esperança de que um dia meu coração volte a bater. Tenho a esperança de que um dia eu possa viver novamente.
on sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Nossos lábios se encontravam, consumando todo o amor que sentíamos um pelo outro. Os pêlos do meu braço e nuca eriçavam-se ao ouvir o sussurrar de suas palavras em meu ouvido; sua voz era como ser acariciado por um anjo e repousar nas nuvens. Era bom ter a certeza de que ela me fazia feliz, e somente a sua presença era o motivo de eu estar vivendo naquele momento. Era reconfortante poder ser também amigo dela, porque assim eu podia contar tudo o que acontecia em minha vida. Desde os problemas que meus pais enfrentavam até as disciplinas escolares que me faziam querer desistir da escola. E ela estava lá, sempre me apoiando. Por vezes ela adivinhava meus pensamentos, ou completava minhas frases. Nós éramos, sem dúvida, a parte que faltava em cada um.
Muitas vezes eu me pegava pensando se nós ficaríamos juntos para sempre. Nosso amor tinha apenas um verão de duração, mas era algo mais forte do que eu já havia sentido por qualquer outra pessoa. Porém o mundo em que vivemos nem sempre nos encoraja a seguirmos com o que acreditamos e com o que queremos para nós mesmos.
Com o fim do verão, Juliet - e esse era seu lindo nome - teve de voltar para sua cidade. Esse, sem dúvida, era o maior dos problemas em continuar nosso relacionamento. Eu a amava, mas nunca dissera isso para ela.

***
Nosso último encontro ocorreu na mesma praia em que demos nosso primeiro beijo. Só Deus sabe como eu me sentia naquele momento. Estava nauseado, meu coração batia brutalmente, assolando todo e qualquer tipo de coragem que eu estava tentando criar para poder falá-la sobre meus sentimentos. Ao chegar na praia ela já estava esperando-me. Seus cabelos longos, ondulados e dourados esvoaçavam com o forte vento que nos alcançava. Ela vestia um vestido praiano cor de creme, e usava uma pulseira de tecido em seu tornozelo esquerdo. Seus olhos brilhavam em um castanho tão intenso que me fazia sentir apaixonado por ela toda vez que nossos olhares se cruzavam.
Deus, como eu poderia?! Como conseguiria dizer que a amava, sabendo que não nos veríamos tão cedo? Na verdade eu não sabia se ao menos voltaríamos a nos ver. Engoli em seco e tentei suportar o nó que se formara em minha garganta. Eu tinha de ser forte e perguntar se ela queria dar continuidade ao que sentíamos. Eu precisava saber o que ela sentia.
Por um breve momento ficamos nos olhando. Foi o breve momento mais longo da minha vida. Percebi então que o amor era assim mesmo: confuso, frustrante, por vezes aterrorizante. Mas também era reconfortante, revigorante, algo que faz nossa vida ser mais viva, mais brilhante. O amor é a estrela mais bonita de uma noite estrelada. É a brisa que traz a felicidade em uma noite de verão. É o brilho da lua que faz nossos olhos brilharem.
Não foi difícil. Não doeu. E não morri quando as palavras saíram de minha boca:
- Juliet, eu amo você.
on quarta-feira, 22 de setembro de 2010
O vento soprava as folhas das árvores com uma voracidade apavorante. O céu encontrava-se nublado e acinzentado. As ondas do mar pareciam querer avisar à bela garota que ela corria perigo. De fato, ela corria perigo. Arnold apenas não queria pensar mais uma vez que o perigo era ele.
Observando os longos e sedosos cabelos loiros da jovem moça, ele pegou-se pensando e refletindo sobre as escolhas que havia tomado, e como ele tinha conseguido alcançar o fundo do poço. Todos apostavam que Arnold seria o melhor da famíla; que ele ultrapassaria as barreiras do impossível com uma facilidade inegável. Acreditavam que ele tinha nascido com o dom do sucesso.
Porém ninguém imaginara que o destino não havia planejado coisas boas para Arnold. O mundo conspirava contra toda e qualquer ação do pobre coitado. Até mesmo quando tentava fazer algo bom, Arnold fracassava.
Arnold fracassava sempre.
Quando se viu expulso de casa pelos próprios pais, abandonado por seus "amigos" e sozinho no mundo, a única solução que passava por sua cabeça era a morte. Seria um favor para o mundo se sua existência fosse inexistente. Quanto antes a carne de seu corpo putrefizesse mais felizes as pessoas poderiam ficar; mais tranquilas elas conseguiriam estar.
Arnold tentou por diversas vezes fazer com que alguém o matasse. Caminhou pelos bairros mais violentos, pelas rodovias mais perigosas. Viu coisas que o fizeram desejar ter os olhos brutalmente arrancados a vê-las. Mas a morte simplesmente não chegava. Era como se estivesse fadado a viver perambulando pelo mundo, vivo, impossibilitado de fechar os olhos para toda a crueldade existente.
O suicídio fora sua última opção. Tinha de ser algo rápido, prático e de preferência doloroso. Arnold estava prestes a atirar-se de um penhasco alto e lamacento, onde iria de encontro a rochas pontiagudas. Então, enquanto debruçava-se em suas próprias lágrimas, lastimando eternamente pela vida que não tivera, sentindo medo por não saber o que estava prestes a encontrar, ele viu uma imagem que seria gravada em sua memória por toda a sua existência. Arnold viu uma linda mulher, de pele pálida e olhar morto, com um enorme par de asas negras. De repente seus medos e conflitos internos desvaneceram-se, e um sorriso estampara-se em seu rosto, em meios a lágrimas densas e energicamente carregadas.
O anjo zarpara voo assim que Arnold tentara fazer contato. Entretanto aquilo foi o suficiente para que ele não se jogasse do penhasco. Esperança e alegria tomaram conta dele, porém apenas por alguns dias, até ele notar que as coisas não haviam mudado. Arnold era o mesmo fracassado de sempre. Sua vida seria a mesma inutilidade e nada faria a menor diferença na vida de ninguém.
Arnold tornara-se um assassino cruel e sanguinário. Todo e qualquer vestígio de felicidade, otimismo e esperança foram exterminados de sua alma. Ele pensara que deveria assumir o seu destino, e se ele tinha de ser uma pessoa perversa, o faria.
E então Arnold estava ali, naquela belíssima praia, em um fim de tarde nublado e assustador. Sua próxima vítima encontrava-se na beira da praia, sentada na areia. Pela primeira vez em muitos anos ele arrependera-se de todos os crimes que cometera. Talvez tivesse outra saída.
O tempo havia passado, era tarde demais para arrepender-se.
Logo que esse pensamento ecoou em sua cabeça, Arnold resolveu entrar em ação. Aproximou-se lentamente da jovem loira que assistia a dança das ondas. Porém ele não esperava que estava prestes a sentir algo totalmente novo em seu coração - e não esperava que tivesse sentimentos escondidos em seu coração.
Porque quando a jovem virou-se para ele, algo inusitado o fez ficar perplexo. Ele sabia que não conseguiria proseguir com mais um assassinato. Não suportaria cometer mais nenhum ato maldoso. Porque ali, naquele momento, com aquele olhar mágico e oceânico, Arnold estava totalmente enfeitiçado. E mesmo que ele nunca mais a visse, apenas aquela imagem seria o suficiente para que ele mudasse. Mas ele iria atrás, lutaria para tê-la de qualquer maneira.
E seu lado mais cruel entraria em confronto com seu lado mais novo, estranho e bizarro: o lado do coração.

on sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Todos estavam dançando no salão. Para Liz eram apenas máscaras flutuantes, ou pessoas que estavam fazendo o que sempre faziam: se escondendo. Fugindo de suas vidas tediosas e por vezes medíocres. Escapando do odor pungente de suas casas pobres e tentando guiar a vida para outro caminho que não fosse o anonimato.
Aquela era sempre a noite mais agitada do mês, na qual todos tentavam se exibir, porém sempre contendo-se dentro dos limites e padrões da alta sociedade; sempre contendo-se por trás das máscaras. Liz sabia que por trás daquelas máscaras existiam pessoas de mau coração, péssimos exemplos para qualquer um. Maridos e esposas infiéis, boêmios insolentes, dançarinas da noite. Mas o que seria dela se não fosse seu trabalho como cantora?
Liz amava cantar, e o único local que a havia aceitado fora aquele cabaret. Ela jurara a si mesma que não iria mudar apenas por estar convivendo naquele ambiente. Com um mês de serviço ela já esquecera as promessas que fizera. Homens ricos e charmosos tornaram-se o seu esporte favorito. Suas apresentações estavam ficando cada vez mais sensuais. Luxúria percorria cada gota do seu sangue.
Entretanto naquele dia ela estava sentindo-se diferente. Na realidade ela não estava sentindo nada. Acordara insensível e assim permanecera até aquela noite. Nada a comovera. Nada a fizera sentir-se triste ou feliz. Era como uma rocha, totalmente sem sentimentos. E ela queria sentir-se mal por isso, mas não conseguia.
Enquanto estava no salão, observando as pessoas dançarem e fazerem outras coisas, um homem mascarado chamara a sua atenção. Ela perguntara-se se não era apenas mais um, que assim como os outros, nunca mais tornariam a falar com ela após uma noite. Liz então dirigiu-se para fora do salão. O ambiente pesado já estava a deixando mal. Pelo visto seus sentimentos estavam voltando, pois ela estava sentindo-se triste. Essa não era a vida que ela queria. Nada disso havia sido planejado. Nunca fora seu sonho ser uma cantora de cabaret e viver em um ambiente tão inapropriado para pessoas direitas.
Lágrimas corriam pelo seu rosto, como um rio seguindo seu curso em direção ao desconhecido. Liz queria sair dessa vida, encontrar um novo emprego e viver de uma forma menos forçada. O homem que chamara a sua atenção estava aproximando-se. Ele então oferecera um drinque à ela.
É nesse ponto que Liz percebeu que o veneno já estava a possuindo por completo, porque ela sentia sede de estar naquele lugar. Era uma prisão. Mas ela não queria isso. E ela queria isso demais.
Então Liz prometera para si mesma que aquela seria sua última noite, e aceitou o drinque do desconhecido, que era como qualquer outro dos homens que frequentavam aquele cabaret. Ela prometera assim como prometia todas as noites; ela era péssima com promessas.
O veneno da luxúria já a possuía. E então mais uma 'última noite' estava apenas começando.
on sexta-feira, 13 de agosto de 2010
- Eles vão te deixar. Você sabe que eles vão.
Hector ouvia o que Serenity estava falando, ainda que ele preferisse não digerir as ideias que ela estava implantando em sua cabeça. Ele não suportaria imaginar que estava acabado; que toda a diversão e os momentos bons haviam chegado ao fim.
Estavam em um bar, ouvindo boa música. Sentados nos banquinhos do balcão, próximos a toda a variedade de bebidas que havia na casa. Hector arriscava-se tomando drinques que nunca havia tomado, até então. Seus dezoito anos pareciam estar chegando à carroça, pois ele já não aguentava mais ter de esperar. Por sorte ele aparentava ser mais velho e não fora difícil conseguir as bebidas que queria.
Serenity era uma jovem mulher de pele clara, olhos cor-de-mel e cabelos curtos, repicados e escuros. Sua voz era calmante e viciante para qualquer um. Era o tipo de pessoa que todos queriam por perto. Pelo menos todos aqueles que não a conheciam. Na realidade Serenity era ambiciosa ao extremo. Limite era algo que ela nunca tinha ouvido falar. Talvez por isso ela não possuísse amigos de verdade.
Hector era um garoto de ouro. Apesar de não ter muita facilidade nos estudos, ele sempre era o mais empenhado. Era um jovem inconsequente, algumas vezes insano. Porém todos sabiam que era uma pessoa de bom coração, e que todas as sua intenções eram boas, em tudo. Para ele o mais importante eram seu amigos. Ele cultivava sua amizade com cada um, sempre com muito amor. Nem todos sabiam disso, mas ele era o que era apenas por causa dos seus amigos. E ele sempre pensara que os teria para sempre ao seu lado.
O destino havia unido Hector e Serenity naquele instante. Se não estivessem ali, provavelmente não se falariam. Hector estaria com seus amigos e Serenity estaria com as pessoas que andavam com ela. Porém Hector dirigiu-se àquele bar para pensar um pouco em sua vida e em que rumo ela tomaria. Toda essa epifania pelo fato de o colegial ter acabado há pouco tempo, e por ele ter descoberto que seus amigos tomariam rumos diferentes. Por mais que ele quisesse ficar em sua cidade e curtir a vida ao lado dos seus amigos, cada um estava seguindo uma direção diferente. A maioria iria estudar ou procurar emprego em outras cidades. Nunca mais eles seriam o mesmo grupo de amigos de sempre. E isso havia o abatido por completo. Porque os seus amigos eram mais que tudo para ele; eram tão importantes quanto sua própria vida. Eles eram a sua vida.
E enquanto bebia no bar e abria sua caixa de pensamentos para si mesmo, Serenity havia aparecido. Bela e sozinha, como sempre. Ela aproximou-se e começou a conversar, muito embora Hector não estivesse sentindo-se confortável com a ideia de compartilhar seus medos e aflições com uma pessoa como ela. O que ele não esperava era que ela fosse tão boa em interpretar os outros. Logo ela captara o que ele estava sentindo, estava praticamente o despindo, o desarmando. Não demorou muito para que estivessem discutindo.
- Eles vão te deixar. Você sabe que eles vão - disse Serenity, mantendo sempre a calma e seu olhar hipnotizante.
- Eles são meus amigos, nunca irão me abandonar. Nós seremos para sempre o que nós somos - falou Hector, mesmo que ele soubesse que não seria dessa maneira.
- Vamos, Hector. Você sabe que cada um tomará um rumo, e no final das contas os momentos bons que vocês passaram serão apenas lembranças que os deixarão felizes.
Hector apertava o copo com mais força. Cabisbaixo, uma lágrima escorrera por seu rosto. Ele não queria dar ouvidos à Serenity, mas era inevitável o fato de que seus amigos não estariam com ele para sempre.
- Você só tem que começar a seguir o seu próprio caminho. Fazer a sua rota - disse ela, abrindo um sorriso que, incrivelmente, pareceu ser sincero e bondoso. Hector então sorriu de volta.
- Quer dançar? - ela propôs a ele, que assentiu com a cabeça. Talvez fosse apenas necessário que Hector ampliasse seu modo de ver as coisas, afinal a felicidade pode estar escondida onde menos imaginamos.
on quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Havia fogo, muito fogo. O calor dilacerante do ambiente digeria a pele da jovem senhorita. Seus olhos sangravam de pavor, suas vestes reduziram-se a meros trapilhos. Enquanto corria e subia as escadas, o teto da casa em chamas despencava aos poucos, deixando o coração da pobre mulher cada vez mais aflito. Toda a vida que formara, todos os seus patrimônios e prêmios seguiam sendo tragados pelas chamas escaldantes do inferno.
Olhando para o piano com cauda que havia ganhado de um nobre barão que almejava casar-se com ela, a jovem senhorita recordava todos os momentos luxuriantes que passara no salão de sua própria mansão. As bebidas, a boa música, as orgias. Memórias que estavam sendo manchadas e apagadas pelo ardor do fogo.
A jovem dama caminhara até a sua enorme biblioteca. Suas forças estavam esgotadas e ela rendera-se aos pedidos do seu corpo de jogar-se no chão e aguardar pelo momento fatídico de sua morte. Ao mesmo tempo que toda a sua fonte de conhecimento sumia, o fogo corroía a sua pele morena, e ela gritava, como se aquilo fosse uma maneira de amenizar seu sofrimento.
Ela lembrava-se de que não era fácil ser uma mulher rica e de pele morena na sociedade em que vivia. Lembrava-se também que todo o seu legado não seria passado para ninguém, já que ela usara toda a sua vida para aproveitar festas e gastar sua fortuna.
E no momento em que o fogo se apossara de seu corpo; quando seu coração queimava em carne viva e ela estava no limite da vida, ela sentiu arrependimento por ter desperdiçado sua vida da forma errada. E então seu coração queimou em chamas.
on sábado, 24 de julho de 2010
A janela estava aberta, o ar estava bastante gelado e ele remexia-se na cama de tanto frio. Pegara várias colchas e cobrira-se. Para ele era uma forma de proteger-se e esquecer que havia um mundo que o fazia cada vez mais triste fora do seu apartamento. Seu nariz estava obstruído, respiração congestionada. Consequência da noite lacrimosa que ele tivera.
Seu coração doía constantemente; parecia algo proposital. Sempre que ele pensava em esquecer o que havia ocorrido, seu peito doía. Era como se estivessem perfurando seu coração, e com muita vontade. Isso tornava tudo mais difícil para ele. Esquecer que ele nunca mais a teria, saber que ela nunca mais seria dele.
Ele saiu da sua cápsula protetora e resolveu observar as luzes da cidade grande através da janela. Para sua surpresa, ainda não era dia. Olhou no relógio e constatou que eram três da manhã. Isso era ruim, muito ruim. O tempo simplesmente não corria da mesma forma quando ele não estava com ela. Seus olhos, que já estavam úmidos e cansados de chorar, não se opuseram à vontade do seu corpo de tentar aliviar a dor que ele estava sentindo no momento. E novamente ele desatou a chorar. Uma parte dele se fora com ela, e ele só a teria de volta se também tivesse ela de volta.
De certa forma ele sabia que as coisas melhorariam, porque sempre há uma força misteriosa e reconfortante que brota em todos nós, sempre nos piores momentos, e que nos permite suportar toda a dor e carência; todo medo e perda. Mas naquele momento ele podia lamentar, porque ele queria tanto tê-la para ele em todos os instantes de sua vida, e ele sabia que não seria mais assim. A menos que ele lutasse por isso.
on domingo, 18 de julho de 2010
O problema em ser uma pessoa de bom coração, e que não consegue enxergar a maldade nas outras pessoas, é que quase sempre essa pessoa acaba priorizando os problemas das outras pessoas, os sentimentos das outras pessoas e as lamentações das outras pessoas ao invés dos próprios problemas, sentimentos e lamentações. Elas geralmente dizem sim para tudo e esquecem de pensar se realmente são capazes de fazer o que a outra pessoa está pedindo. Para elas o importante é ajudar, e só. Não que isso seja de todo ruim, porém não é muito saudável deixar você de lado. Pensar em si mesmo é importante, fundamental. Isso não se chama egoísmo, se chama amor-próprio.
Marcos era uma dessas pessoas que não ouviam seus próprios desejos para poder satisfazer os desejos dos outros. Formado em veterinária, era dono de uma clínica que atendia animais de pequeno porte. Ganhava um salário muito bom e proporcionava tudo do bom e do melhor para sua família. Sua esposa o ajudava de vez em quando na clínica. O filho mais velho tinha sete anos, o mais novo, quatro. Sua vida era bastante agradável.
Mas definí-lo em uma palavra era fácil: insegurança. O maior medo de Marcos era perder todos os que estavam a seu redor, e por isso ele não hesitava em nada que lhe fosse pedido. Ninguém precisava implorar nada à ele, porque ele simplesmente fazia tudo sem questionamentos. Isso estava o desgastando e logo ele não teria mais ânimo para nada. Algo precisava ser feito, e eu teria de o fazer.
Muitos me chamam de anjo, mas definitivamente não chego a tanto. Assumo a forma de uma mulher elegante e imponente. Vago pelo mundo me alimentando do medo e insegurança dos humanos, porém com o intuito de eliminá-los de vez e causar uma mudança na mente dos covardes e oprimidos. E para isso bastava-me uma noite. O melhor método era o que eu usara sempre: adentrar nos sonhos do alvo e transformá-los em pesadelos. Não pesadelos quaisquer, mas fazer florescer os maiores medos e tensões da pessoa, e depois mostrar que sempre há uma saída, por mais escuro que esteja o túnel.
Mudar a mente de Marcos foi fácil. Fiz ele sonhar que sua esposa havia o deixado, e que seus filhos preferiam o padrasto à ele. Como eu suspeitava, ele perdera todo o seu ânimo e uma melancolia profunda dominou seu corpo, mesmo que em um sonho. Então fui introduzindo ideias em sua cabeça, coisas que o faziam perceber que as pessoas que o amavam não o abandonariam tão facilmente, e que ele precisava dar mais valor a si mesmo.
Com a sensação de dever cumprido, sentei na janela do quarto dele e tornei a olhar para a cama em que Marcos estava. A forma como ele abraçava a sua mulher era bonita de se admirar. Ali era possível encontrar o amor verdadeiro.
Meu coração encheu-se de tristeza, porque eu nunca poderia ter uma família como a dele, e nunca poderia saber como era o amor. E por um momento eu desejei não ser o que eu era; por um momento desejei não ter que vagar eternamente em busca do medo dos humanos. Abri minhas asas escuras e saí voando pelo céu escuro e gélido da cidade.

on segunda-feira, 28 de junho de 2010
Fugir. Eu não pensava em outra coisa senão fugir e escapar de todo aquele sofrimento em minha vida. Como eu iria lidar com as pessoas que me faziam sofrer? De que maneira tudo conseguiria se estabelecer e alcançar a normalidade de sempre? Apesar das minhas pequenas esperanças de que tudo fosse ficar bem, eu realmente sabia que nada voltaria a ser como era antes. Porque, por mais que não quiséssemos mudar, havíamos passado por algo, e havíamos amadurecido.
Nós não éramos os mesmos de antes, então como as coisas poderiam voltar a ser normais? Não, elas não poderiam. E com certeza tudo era mais fácil antes, quando apenas sorríamos e éramos felizes. Agora o presente é feito de memórias boas do passado, e o futuro é um mistério indecifrável. Jamais repetiríamos os mesmos erros se soubéssemos o rumo que aquilo iria tomar.
Porém o que está feito, está feito. E agora cada qual permanece em seu espaço, refletindo sobre tudo. Refletindo sobre a vida, sobre o amor, sobre a felicidade. Enxugando as lágrimas, é verdade, porém criando uma armadura muito forte, porque a vida reserva muitas provas de fogo, e é preciso estar preparado. E após aquele intervalo na vida, o destino se encaminharia de guiar todos nós, de nos mostrar um leque de opções inacabáveis, e cabe a nós fazer a escolha certa, e seguir o caminho certo, sempre ouvindo o nosso coração.



on segunda-feira, 21 de junho de 2010
- Vou poder te amar para sempre? - foi o que ela me perguntou naquele instante, onde nossos corpos encontravam-se enlaçados e envolvidos por uma camada ténue e afável denominada amor; deitados em um belo jardim florido e com uma relva tão confortável e chamativa quanto uma cama bem acolchoada em uma tarde chuvosa.
Palavras faltaram em minha boca. Tudo o que consegui expressar foi um sorriso simples e sem vontade. Obviamente eu deveria não pensar muito e responder algo do tipo "É lógico, meu amor. Nosso amor durará para sempre." ou "Nosso destino está tão unido que nada poderá nos separar. Nossa sina é uma só: nos amar." Porém eu resolvi pensar um pouco mais, e consequentemente por minha cabeça em confusão.
Não restavam dúvidas de que eu amava aquela garota como nunca havia amado outra. Também era certo que ela me amava como nunca havia amado outro garoto em toda a sua vida. E aquela época seria inesquecível para nós, pois era um momento único que estávamos partilhando um com o outro. Beijos e juras de amor, e aos poucos cada um passava a ser o outro, cada vez mais tornando-se um só.
O que me preocupava era: até que ponto essa magia duraria? Até que ponto nós poderíamos separar o amor da paixão? Se é que uma coisa não estava tão interligada à outra a ponto de não poder ser dividida. Eu só tinha a certeza de que eu estava amando viver aquele momento com ela, e nada mais. O mundo, as pessoas, os problemas... nada era mais importante do que estar com ela. E se isso durasse para sempre seria perfeito. Mas será que duraria?
Muitos e muitos casos não deram certo, e o que parecia ser o maior amor do mundo nada mais era do que uma intensa paixão, que com o passar do tempo fora se apagando até não existir mais nada. Então o que eu estava fazendo ali? Iludindo aquela pobre garota? Me iludindo? E se nosso caso fosse uma exceção aos casos de fracasso? E se nós realmente fossemos ficar juntos para sempre e o nosso amor fosse crescer a cada dia, da mesma forma que prometíamos sempre um ao outro? Nesse caso eu não deveria fugir, eu deveria me entregar mais e mais ao amor que me envolvia a cada hora, a cada minuto da minha vida.
Meu coração estava confuso; minha mente estava confusa; eu estava confuso. E o que acontecia naquele momento era mágico, porque enquanto eu olhava nos olhos dela e só conseguia enxergar amor e mais amor, e só conseguia sentir meu coração palpitar mais rápido e minhas veias estremecerem ao sentir o toque suave e apaixonante da garota que eu amava, enquanto eu sentia o amor percorrendo cada fio de cabelo do meu corpo em forma de arrepio, então nada no mundo poderia mudar aquilo. Porque aquele momento simplesmente estaria marcado para sempre em nossos corações; aquele momento estaria marcado para sempre em nossas vidas, e mesmo que nossos destinos rumassem caminhos diferentes, nós sempre saberíamos que o que sentimos um pelo outro havia sido verdadeiro, e que tudo valeu a pena.
E com um beijo selando a trajetória dos pensamentos do meu coração, olhei nos olhos dela e tornei a dizer: "E mesmo que não queiramos, o que poderíamos fazer? Nós iremos nos amar para sempre, porque nossos corações irão se amar para sempre."


on domingo, 20 de junho de 2010
A vida é um jogo repleto de armadilhas e seduções. Nascemos predestinados a ser apenas mais um peão em meio à massa de pequenos pontos insignificantes e auto-confiantes demais, a ponto de relevar o nível de dificuldade que esse jogo apresenta. Porém a vida é mais que isso. É tudo o que temos e, ao mesmo tempo, o motivo para a nossa perdição.
Ao longo do jogo os peões vão avançando e seguindo suas histórias. Cada qual com suas dificuldades; cada qual com suas qualidades e com seus defeitos. Obstáculos são inevitáveis, porém a forma como cada pessoa lida com eles é a chave para vencê-los.
E sempre surgirão companheiros. É nessa hora que as coisas começam a mudar, no momento em que os peões passam a interagir com outros. Nem todos os companheiros virão com um propósito de ajudar. São esses as pessoas que entram em nossas vidas e deixam suas marcas para sempre. Na maioria das vezes essas pessoas acabam nos fazendo desviar de nossos objetos; acabam nos fazendo sentir coisas que não deveríamos sentir, porque nós simplesmente não deveríamos e isso já torna o fato um problema. Mas essas pessoas são de uma influência tão grande em nossas próximas jogadas que chegamos a pensar em mudar o nosso rumo.
Infelizmente acabamos cedendo à vontade e ao desejo de mudança, cegos de que nosso objetivo final fica cada vez mais distante. E o tabuleiro passa a ser um espaço pequeno para se jogar, onde a ambição tomou conta de cada casa.
No final, quem pode nos salvar? Apenas nós mesmos e mais ninguém. Porque dentro de cada peão existe um verdadeiro guerreiro, forte o bastante para derrotar qualquer monstro que esteja sondando sua consciência. Dentro de cada alma existe uma força muito mais poderosa do que qualquer um possa imaginar; uma força capaz de fazer mudanças - grandes mudanças. O caminho para encontrá-la está dentro de cada um, dentro de cada coração - que será, ao mesmo tempo, guia e chave para encontrar a força interior de cada peão. E no final cada peão receberá a sua recompensa, porque cada peão conseguirá encontrar a vida dentro de si.
on terça-feira, 8 de junho de 2010
Em todos os dias da minha existência aconteciam coisas interessantes, porque eu as fazia. Concordo que nem todas as pessoas achavam o meu trabalho uma coisa interessante, mas não cabia à mim se importar com os outros. E mesmo que coubesse, eu não me importaria. Eu não gostava nem um pouco das pessoas, elas viviam uma vida muito mal vivida, fazendo coisas indevidas e jogando a poeira para debaixo do tapete. Porém na hora de acertar as contas, todos passavam de inescrupulosos vermes à puros anjos propagadores da paz.
Não era do meu feitio perdoar os mortais. Eles realmente não mereciam ser perdoados; ou melhor, ninguém merecia e nem merece ser perdoado. Uma vez errando a punição deveria ser certa. Um mundo sem segundas chances seria um mundo ideal. Errar e ser punido; pessoas com medo de errar e cada vez mais alcançando a perfeição em tudo.
Infelizmente as coisas não funcionam assim na Terra e os humanos acabam perdoando atitudes imperdoáveis. Imundos, idiotas! Seres fracos e patéticos, esses são os humanos. Meu repúdio por eles é tanto que me sinto nauseado ao pensar naqueles seres inferiores.
Como eu sempre fazia, todos os dias de minha existência, acordava no maior quarto do meu palácio. Ouro, muito ouro, rodeava-me o tempo todo e por todos os cantos. Eu vivia uma vida luxuosa e não me sentia nem um pouco mal por isso, porque eu podia. Eu podia tudo.
E então as minhas lindas serviçais faziam absolutamente tudo para mim: me davam banho, preparavam um delicioso banquete, me satisfaziam com seu amor e carinho. Minha existência era perfeita, e eu também era fisicamente perfeito. Todas me desejavam e me queriam mais que todos.
Logo segui para o meu enorme escritório, também banhado à ouro. Empurrei as enormes portas da frente e sentei em minha confortável poltrona. Peguei o primeiro documento da pilha que encontrava-se em minha mesa. Não era fácil analisar todos aqueles nomes, todos aquele humanos desprezíveis, e escolher o primeiro do dia. Mas sempre era delicioso ir até eles e fazer o que eu fazia. Talvez por isso eu fosse o que eu fosse; talvez por gostar de fazer o que eu fazia eu tivesse sido nomeado como 'A Morte'.
on quarta-feira, 2 de junho de 2010
Parte final - Pangéia
Muitas coisas, muitas mesmo, ocorreram nos meses seguintes ao que havia acontecido comigo na noite do jantar da minha família. Minha vida mudara completamente, muito mais do que eu esperava. E também muitos acontecimentos estranhos desencadearam em minha vida, antes extremamente monótona.
Foi, sem dúvida, um choque muito grande ao descobrir que aquele pequeno grupo de jovens estranhos eram na verdade fantasmas. Ao meu ver pareciam ser tão normais. E ficaram bastante surpresos ao descobrir que eu era capaz de enxergá-los, já que nunca haviam conhecido alguém que fosse capaz de tamanha façanha. Foi naquele dia que eu resolvi abandonar tudo e todos que faziam parte da minha vida e rumar seja lá para onde os fantasmas estivessem indo. Entrei no carro com eles e me joguei nas mãos da sorte.
Porém a maior parte de mim havia feito isso pelo fato de Eva, a mulher fantasma que havia me enfeitiçado tanto a ponto de me fazer abandonar minha confortável casa e seguir, sem destino, com um grupo de fantasmas rebeldes. O que eu sentia por ela era inexplicável; sua importância para mim era indescritível. E faltava-me coragem para dizer tudo isso a ela. Talvez pelo fato do medo estar me tomando por completo, porque, apesar de tudo, eu estava entre fantasmas, pessoas que já haviam morrido.
Descobri que eram aqueles quatro fantasmas que estavam propagando o caos em meu bairro. Acompanhei aos poucos o que eles podiam fazer. Era incrível o poder de persuação de todos eles. Vi um por um usando suas habilidades. Lloyd era o mais experiente, pois era fantasma por mais tempo. Notei que ele não gostava muito de mim, provavelmente pelo simples fato de eu não ser um deles. Ele conseguia persuadir muitas pessoas a fazer algo, apenas com o poder de sua mente. Já Elvis e Catarina, os outros dois fantasmas do grupo, precisavam sussurrar ao ouvido do humano para que este pudesse obedecê-los. Porém Eva não fazia nada, porque ela simplesmente se recusava. Uma fantasma, porém ainda tão humana.
Passamos aquela noite em um bosque. O mundo com eles ficava tão mais fácil. Estranho, porém mais simples. Ficamos conversando, e resolvemos falar sobre a vida de cada um deles. A primeira a falar foi Catarina, que ficava mais bonita com o balançar dos seus longos cabelos loiros ao vento. Segundo ela, sua vida fora muito feliz. Era uma jovem que se preocupava bastante com sua saúde corporal. Porém um trágico acidente aéreo levara sua vida, e ela demorara dois meses para reencontrar a cidade em que morava, e deparou-se com seus entes queridos muito tristes com sua repentina partida. E o que mais a afetara fora que sua mãe ainda não havia encontrado um envelope que ela havia deixado em seu quarto, contendo uma boa quantia de dinheiro que a própria Catarina estava juntando para comprar uma novo carro para sua mãe. Triste e confusa, ela conheceu Lloyd, e passou a seguir andando pelo mundo com ele.
E todas as ideias vieram como um forte baque em minha mente. Havia então um motivo para Catarina estar, de certa forma, presa na Terra? Naquele mesmo instante expus minhas ideias, e fomos até a casa da mãe de Catarina, que ficava em um bairro vizinho. Com a ajuda dos fantasmas, pude entrar na casa sem ser notado, e logo entrei no antigo quarto de Catarina, juntamente com Catarina, que me disse onde estava o envelope. Novamente com a ajuda dos meus novos amigos, consegui fazer com que a mãe de Catarina encontrasse o envelope. Até que algo incrível aconteceu. Uma luz, muito ténue, apareceu em meio ao ar da sala. A mãe de Catarina estava emocionada e fora ao banheiro. Catarina também chorava, e aos poucos foi percebendo que aquela era a sua luz, e que era a hora dela deixar a Terra. E assim ela o fez.
Nos dias que se seguiram eu estava cada vez mais próximo da Eva, e Lloyd estava cada vez mais mal-humorado, como se ele não tivesse gostado da descoberta que eu havia feito. Não demorou muito para Elvis descobrir o motivo da sua permanência na Terra, e era o simples fator saudades, pois sua esposa ainda não havia superado a morte do marido. Ele então a fez uma visita e a confortou, e logo a sua luz apareceu.
Isso foi o cúmulo para Lloyd, que explodiu de raiva ao saber que o seu 'bando' estava diminuindo. Porém era compreensível. Aquela era a única família que ele havia tido em toda a sua vida, ou em toda a sua morte, e agora todos estavam partindo, o deixando sozinho. Eu e Eva tentamos o ajudar; tentamos mostrar que era preciso que ele achasse a luz dele, e que nós o ajudaríamos nisso. Infelizmente Lloyd não nos deu ouvidos, e queria ficar cada vez mais e mais na Terra, alegando que ali era seu lugar. E infelizmente Lloyd não achou a sua luz, mas sim a sua sombra; e seguiu para algum lugar menos calmo e feliz do que o lugar em que os que haviam achado a luz estariam.
E só restávamos nós, Hércules e Eva. Eu sentia que ela me desejava, me queria. E eu sabia que eu a amava, de uma forma que eu nunca havia amado antes. Por mais que o certo fosse encontrar a luz dela, eu não queria que isso acontecesse tão cedo.
E então resolvemos visitar a minha casa, que a tanto tempo eu não visitava. E ali as coisas se encaixaram; meu quebra-cabeça estava quase montado. Porque ninguém mais me reconhecia, ninguém mais me ouvia ou me sentia. Nem minha mãe, nem meus irmãos e nem os empregados. Eu era um invisível. E pela primeira vez eu consegui decifrar a minha mãe como eu nunca havia conseguido antes. O motivo dela estar triste era por minha causa, mas não por eu estar sumido por todo esse tempo, e sim por eu estar em coma profundo após ter sofrido um grave acidente de carro. Foi um completo choque para mim descobrir que eu estava quase morto, mas Eva estava ao meu lado e isso me acalmava.
Fomos então ao hospital em que eu estava internado. Não foi tão estranho quanto eu esperava ver o meu corpo completamente ferido e debilitado em uma cama de hospital. Naquele instante Eva apertou a minha mão. Agora eu poderia decidir entre voltar a ser o que eu era antes ou ser o que eu nunca havia sido: um fantasma. Que destino eu teria escolhendo morrer? Teria eu ao menos um destino digno?
Mas a escolha já estava feita, porque eu simplesmente não conseguiria voltar a ser o que eu era antes. Eu jamais seria o mesmo sem ela, eu jamais conseguiria viver sem Eva. Éramos um só, unidos por um laço tão forte e inexplicável que sempre me fazia querer estar perto dela. Eu a amava mais que tudo e a seguiria aonde quer que fosse. E logo a luz havia aparecido. De quem seria aquela luz? A minha ou a dela? Na realidade, não importava, pois nossas almas haviam se unido.
Éramos um só, como os continentes antes eram a pangéia.
E com um beijo amoroso e emocionado, seguimos juntos, de mãos dadas, para a luz que nos levaria para outro lugar. Seguimos juntos através da nossa luz.
on sábado, 29 de maio de 2010
O que sentir em uma hora dessas?
Simplesmente quando você se dá conta de que o universo não conspira a seu favor; quando você percebe que o mundo adoraria te cuspir para fora dele o mais rápido possível. Quando o quebra-cabeça não se encaixa mais.
O que sentir em uma hora dessas?
Fúria? Raiva? Talvez não.
Tristeza profunda? Mais provável que sim, com uma margem de erro na palavra 'profunda', já que é muito mais profunda do que imaginei. E por que sentir-se assim se você nem ao menos sabia sobre seus sentimentos?
A verdade é que ainda sou um mistério para mim mesmo. Um mistério muito chato, confesso. Mas é necessário ser um tanto egoísta nessas horas, e não culpar os outros, afinal eles não têm culpa se eu não sou forte o bastante para aguentar as surpresas da vida.
Mas agora meu corpo dói, não mais que meu frágil coração. E também dói minha alma. E agora meu corpo e minha alma pedem para morrer, e eu vou cedendo aos poucos.


on sexta-feira, 28 de maio de 2010
Parte III - Colisão

A verdade era que naquele exato instante eu me sentia completamente sintonizado àquela garota. Era como se todo o meu corpo estivesse ligado à ela; como se eu tivesse passado toda a minha vida esperando por ela, e agora esse momento finalmente chegara. Era um sentimento muito estranho, um mistério para meus neurônios. Eles simplesmente não sabiam se deveriam sentir dor, ou se deveriam alegrar-se; suar frio ou acelerar os batimentos cardíacos?
Peguei-me estagnado pela sua beleza. Cabelos escuros e curtos, olhos cinzas e brilhantes, e uma pele rosada e suave. E com certeza havia algo a mais. Fiquei surpreso ao notar que ela estava saindo do carro e caminhando em minha direção. E o melhor: estava sorrindo.
- Tudo bem? - foi o que ela perguntou. Palavras faltaram em minha boca e meus pulmões esqueceram o que era o ar por um instante.
- Tudo - foi tudo o que consegui dizer.
Ela então acenou para as outras pessoas que estavam a acompanhando no carro. Eram dois homens e uma mulher. O que estava dirigindo possuía um topete meio estranho, óculos escuros - apesar de estar de noite -, e uma jaqueta de couro à la anos 60. O outro homem era ruivo, com algumas sardas e pele clara, e vestia uma roupa um tanto social. E a outra mulher possuía longos cabelos loiros e um corpo escultural. Todos pareciam um pouco assustados ao olharem para mim.
- Mas como isso é possível? - o ruivo perguntou aos outros.
- Eu não faço ideia - respondeu a loira.
Após um breve momento em silêncio, o que foi uma cena um tanto embaraçosa para mim, que só queria refletir um pouco ao ar livre e acabara me deparando com um grupo de pessoas espantadas por, ao que parece, a minha simples presença, a linda mulher tornou a falar:
- O que você acha, Lloyd? Acha que ele é um de nós?
O homem de jaqueta preta olhou para mim com um olhar analítico e respondeu:
- Não parece ser um de nós. Isso me intriga.
- Então como ele...? - falou o homem ruivo, muito confuso.
E afinal, quem seriam aquelas pessoas? Por que estariam tão impressionadas comigo? E por que eu estava me sentindo tão atraído por aquela mulher que eu nunca havia visto em minha vida? Era um sentimento novo, e eu não sabia nomeá-lo.
- Vocês... qual é o problema? - perguntei aos desconhecidos que ali estavam estagnados olhando para mim.
Todos hesitaram a responder, e todos olharam para o homem de jaqueta preta. Era como se ele desse as ordens no grupo. Até que o suposto líder da trupe dirigiu sua palavra à mim:
- Nós somos fantasmas.

on sábado, 22 de maio de 2010
Parte II - Eva

Rápido e indolor. Foi assim que tudo aconteceu, e minha vida - ou não - mudou drasticamente. Ah, e como foi bom me levantar daquele asfalto poeirento. Senti-me completamente leve, renovada. Era como se eu estivesse subindo uma ladeira íngreme com uma mochila pesada nas costas e um alguém muito gentil e bondoso tivesse retirado essa mochila de mim. E parecia que eu nunca mais teria de carregar aquela mochila, porque eu simplesmente não conseguiria; eu não precisaria. E então avaliei o que estava ao meu redor. Exatamente nesse instante notei que havia algo realmente diferente em tudo. O mundo parecia ser o mesmo de antes, mas eu o enxergava de uma outra forma.
Tudo estava tão claro, tão evidente como nunca estivera antes. As pessoas, eu agora conseguia entendê-las, algo em que eu nunca fora boa antes. Melhor dizendo, agora eu conseguia decifrar as pessoas de uma forma tão incrível que era como se eu pudesse ler suas mentes. Suas expressões, seus códigos, nada mais era uma barreira para mim. Uma senhora que passava por perto, vestindo um casaco de lã cor de creme e um chapéu coco muito estiloso, estava pensando: 'Nossa, o que está acontecendo ali? Um acidente, mas que horrível!'. E um homem muito garboso e bem cuidado que se encontrava atento a alguma cena que acontecia ali por perto estava pensando: 'Coitada dessa moça, tão jovem, com uma vida tão bela pela frente, sendo parada de uma forma tão violenta pela morte. A mesma morte desgraçada e imprevisível que levou a minha amada, que levou a minha vida'.
Então passei a me atentar ao que estava acontecendo ali por perto. Havia um aglomerado de pessoas formando um pequeno círculo, o qual me impedia de ver o que estava no centro. E também haviam luzes, e foi como se as imagens estivessem antes deturpadas, tornando-se nítidas aos poucos. As luzes eram as de uma ambulância. Aos poucos fui me aproximando e entendendo o que estava acontecendo. De fato era um acidente, e parecia ter sido grave, visto que uma abulância estava presente no local e um amontoado de curiosos também. À medida que eu me aproximava sentia algo estranho. Um tipo de dor, mas sem ser dor; medo, mas sem ser medo. Angústia, mas sem ser angústia. E por fim, tristeza. A tristeza crua, descascada e inexorável. Porque eu consegui atravessar o amontoado de pessoas que ali estavam, e consegui ver o que tinha no centro da situação. E o que estava ali, estirado e enfraquecido, era o meu corpo. Meu corpo magro e pálido - mais que o normal -, machucado e sem vida, coberto de sangue e de dor.
Tudo fazia sentido, e ao mesmo tempo não fazia. Olhei nos olhos de todas aquelas pessoas, mas nenhuma conseguia olhar nos meus. Eu era uma invisível no meio da multidão. E se antes eu era uma nada, o que eu seria agora então? Pela primeira vez em minha vida eu queria me matar, mas eu não podia, porque eu não estava mais em minha vida, eu estava simplesmente morta. Havia batido as botas, partido dessa para melhor.
Fiquei me perguntando se aquilo era tudo. Se morrer era simplesmente isso. Vagar por aí eternamente, condenada à solidão suprema e implacável infelicidade.
Me afastei das pessoas e saí caminhando. Minha mente estava confusa; eu estava confusa. 'Mas que droga? Eva, como você é burra! Como pode morrer hoje? Justo hoje que tudo iria dar certo e que você provavelmente seria pedida em noivado? Sua... sua...' Desatei a pensar e caí em prantos. Minha vida toda fora uma droga e quando as coisas estavam prestes a mudar eu havia errado e perdido tudo.
Naquele instante senti muita raiva de mim mesma. Apesar de estar chorando, eu queria gritar, queria gritar muito e extravasar toda a minha fúria. Mas de que adiantaria? Eu era uma defunta agora, nada poderia mudar isso.
Passei por uma loja de conveniência que ainda estava aberta e resolvi testar como seria a 'vida' de uma falecida fracassada. Para minha felicidade eu consegui segurar na maçaneta da porta e abrí-la. Para mim foi natural, mas para o balconista não foi nem um pouco. 'O... o quê? A porta abriu sozinha! Socorro!'. Foi o que o balconista pensou, e saiu correndo em direção ao banheiro masculino. Segui para a seção de bebidas alcoólicas. Era tudo o que eu precisava, encher a cara. Peguei o melhor dos whiskies e sentei-me ali mesmo, no chão da loja de conveniência, arrasada, pensando em como seria meu futuro dali para frente.
Até que um homem jovem, aparentemente da mesma idade que eu, vestindo uma jaqueta de couro preta, calça jeans das melhores e com um cabelo escuro e topete encantador entrou pela loja. Ele tinha seu charme. Infelizmente, como todos os outros, ele não deveria me ver. Continuei a beber meu whisky. E então, de súbito, alguém falou comigo:
- Olá, você.