Azul desbotado

on sábado, 17 de abril de 2010
Violeta era uma menina que adorava azul. Todo o seu quarto era decorado em azul. Sua cama era azul, seu guarda-roupa era azul e todas as suas roupas eram azuis. "As pessoas acham você uma louca, sabia disso Violeta?" era o que sua melhor amiga, Margarida, sempre dizia. Mas Violeta simplesmente preferia ignorar a opinião dos outros. Seu mundo seria perfeito se todas as coisas fossem azuis, porque azul era uma cor que a deixava feliz.
Seus pais tentaram mudar a obsessão em azul que ela possuía, mas não foram felizes em suas mais variadas tentativas. Sempre a presenteavam com presentes de diversas cores, mas Violeta sempre mostrava-se plenamente feliz quando o presente era azul.
Elvis Chocolate era o nome do seu pai, o doceiro mais famoso da cidade. E Elvira Chocolate era sua mãe, a segunda doceira mais famosa da cidade. Ambos eram negros e sofriam todos os dias com o racismo da população predominantemente branca da cidade. Muitas pessoas entravam na loja com água na boca por verem tantos tipos de doces, mas saíam resmungando ao descobrirem que os donos do estabelecimento eram negros. Elvis e Elvira só queriam que sua filha não sofresse tanta discriminação. E Violeta sofria em dobro, pois além de ser negra, era obcecada em azul.
Não restavam dúvidas que se ela pudesse optaria por ser azul.
Mas os anos foram passando e o azul de Violeta foi desbotando. Ela foi crescendo e tornando-se uma mulher cinza. Seus pais não faziam mais os mesmos doces gostosos de antes, e ela os sustentava, pois trabalhava em uma grande empresa e usava uma roupa formal cinza. Agora ela morava em um enorme prédio no centro da cidade. A agitação era o que ela queria, e a tranquilidade que fora sua infância e juventude ficara pra trás na casa dos seus pais, na antiga vizinhança em que ela vivia.
Em mais um dos seus dias corridos e atarefados, Violeta estava em seu escritório e recebeu um telefonema inesperado. Era sua amiga de infância - Margarida -, que havia tornado-se a melhor corretora de imóveis da cidade.
"Olá Violeta, darei uma festa de aniversário para meu filho mais velho hoje à noite na casa dos meus queridos pais, na vizinhança em que passamos nossa infância e juventude, espero que você apareça. Não tenho mais tempo para falar pois estou sempre ocupada. Qualquer coisa mande uma mensagem. Beijos e até loguinho." Violeta e Margarida já não eram mais melhores amigas, e o tempo havia liquidado a forte amizade que sentiam uma pela outra. Passaram a ser apenas amigas de infância.
Por questões de bons modos Violeta confirmou sua presença na festa do filho mais velho da sua amiga de infância, Margarida. No caminho para a festa ela foi lembrando-se de todos os momentos bons que passou naquela vizinhança. Foi percebendo que era muito feliz, apesar de tudo. E sentiu muita falta dos tempos em que o azul a deixava estonteantemente feliz. Agora sua vida era cinza, e essa cor não a deixava nenhum pouco feliz.
Após a festa Violeta fez uma rápida visita à casa dos seus pais, que estavam cozinhando doces, como de costume. Ela cumprimentou-os com um abraço amoroso e um beijo na bochecha de cada um, e seguiu pela casa, relembrando a importância de cada momento do passado em sua vida. Ela então entrou em seu antigo quarto, e notou que todo aquele azul vívido que antes era predominante, agora não passava de um azul desbotado.
Violeta jamais seria a mesma que ficava feliz por causa do azul, pois o tempo havia desbotado o azul que alegrava seus dias. Porém Violeta podia, sem dúvida, ficar feliz apenas pelo fato de lembrar que um dia o azul a fez feliz, e que muitas outras Violetas ainda iriam sentir-se assim, e lembrar-se que o tempo pode até desbotar o azul que a alegrava tanto, mas nunca poderá levar as lembranças guardadas com tanto amor em seu coração.

2 comentários:

P! disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
P! disse...

Gostei do texto, é simples! ele me lembrou um poema chamado "soneto do desmantelo azul" de carlos pena filho. =D

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