Incêndio

on quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Havia fogo, muito fogo. O calor dilacerante do ambiente digeria a pele da jovem senhorita. Seus olhos sangravam de pavor, suas vestes reduziram-se a meros trapilhos. Enquanto corria e subia as escadas, o teto da casa em chamas despencava aos poucos, deixando o coração da pobre mulher cada vez mais aflito. Toda a vida que formara, todos os seus patrimônios e prêmios seguiam sendo tragados pelas chamas escaldantes do inferno.
Olhando para o piano com cauda que havia ganhado de um nobre barão que almejava casar-se com ela, a jovem senhorita recordava todos os momentos luxuriantes que passara no salão de sua própria mansão. As bebidas, a boa música, as orgias. Memórias que estavam sendo manchadas e apagadas pelo ardor do fogo.
A jovem dama caminhara até a sua enorme biblioteca. Suas forças estavam esgotadas e ela rendera-se aos pedidos do seu corpo de jogar-se no chão e aguardar pelo momento fatídico de sua morte. Ao mesmo tempo que toda a sua fonte de conhecimento sumia, o fogo corroía a sua pele morena, e ela gritava, como se aquilo fosse uma maneira de amenizar seu sofrimento.
Ela lembrava-se de que não era fácil ser uma mulher rica e de pele morena na sociedade em que vivia. Lembrava-se também que todo o seu legado não seria passado para ninguém, já que ela usara toda a sua vida para aproveitar festas e gastar sua fortuna.
E no momento em que o fogo se apossara de seu corpo; quando seu coração queimava em carne viva e ela estava no limite da vida, ela sentiu arrependimento por ter desperdiçado sua vida da forma errada. E então seu coração queimou em chamas.

2 comentários:

Maria Liu disse...

"[...]seguiam sendo tragados pelas chamas escaldantes do inferno."
Isso soa tão poeticamente.
Adorei esse texto.
Um abraço.

João Pedro Laurentino disse...

Obrigado Liu. (:

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