Quando dois mundos colidem - Pangéia

on quarta-feira, 2 de junho de 2010
Parte final - Pangéia
Muitas coisas, muitas mesmo, ocorreram nos meses seguintes ao que havia acontecido comigo na noite do jantar da minha família. Minha vida mudara completamente, muito mais do que eu esperava. E também muitos acontecimentos estranhos desencadearam em minha vida, antes extremamente monótona.
Foi, sem dúvida, um choque muito grande ao descobrir que aquele pequeno grupo de jovens estranhos eram na verdade fantasmas. Ao meu ver pareciam ser tão normais. E ficaram bastante surpresos ao descobrir que eu era capaz de enxergá-los, já que nunca haviam conhecido alguém que fosse capaz de tamanha façanha. Foi naquele dia que eu resolvi abandonar tudo e todos que faziam parte da minha vida e rumar seja lá para onde os fantasmas estivessem indo. Entrei no carro com eles e me joguei nas mãos da sorte.
Porém a maior parte de mim havia feito isso pelo fato de Eva, a mulher fantasma que havia me enfeitiçado tanto a ponto de me fazer abandonar minha confortável casa e seguir, sem destino, com um grupo de fantasmas rebeldes. O que eu sentia por ela era inexplicável; sua importância para mim era indescritível. E faltava-me coragem para dizer tudo isso a ela. Talvez pelo fato do medo estar me tomando por completo, porque, apesar de tudo, eu estava entre fantasmas, pessoas que já haviam morrido.
Descobri que eram aqueles quatro fantasmas que estavam propagando o caos em meu bairro. Acompanhei aos poucos o que eles podiam fazer. Era incrível o poder de persuação de todos eles. Vi um por um usando suas habilidades. Lloyd era o mais experiente, pois era fantasma por mais tempo. Notei que ele não gostava muito de mim, provavelmente pelo simples fato de eu não ser um deles. Ele conseguia persuadir muitas pessoas a fazer algo, apenas com o poder de sua mente. Já Elvis e Catarina, os outros dois fantasmas do grupo, precisavam sussurrar ao ouvido do humano para que este pudesse obedecê-los. Porém Eva não fazia nada, porque ela simplesmente se recusava. Uma fantasma, porém ainda tão humana.
Passamos aquela noite em um bosque. O mundo com eles ficava tão mais fácil. Estranho, porém mais simples. Ficamos conversando, e resolvemos falar sobre a vida de cada um deles. A primeira a falar foi Catarina, que ficava mais bonita com o balançar dos seus longos cabelos loiros ao vento. Segundo ela, sua vida fora muito feliz. Era uma jovem que se preocupava bastante com sua saúde corporal. Porém um trágico acidente aéreo levara sua vida, e ela demorara dois meses para reencontrar a cidade em que morava, e deparou-se com seus entes queridos muito tristes com sua repentina partida. E o que mais a afetara fora que sua mãe ainda não havia encontrado um envelope que ela havia deixado em seu quarto, contendo uma boa quantia de dinheiro que a própria Catarina estava juntando para comprar uma novo carro para sua mãe. Triste e confusa, ela conheceu Lloyd, e passou a seguir andando pelo mundo com ele.
E todas as ideias vieram como um forte baque em minha mente. Havia então um motivo para Catarina estar, de certa forma, presa na Terra? Naquele mesmo instante expus minhas ideias, e fomos até a casa da mãe de Catarina, que ficava em um bairro vizinho. Com a ajuda dos fantasmas, pude entrar na casa sem ser notado, e logo entrei no antigo quarto de Catarina, juntamente com Catarina, que me disse onde estava o envelope. Novamente com a ajuda dos meus novos amigos, consegui fazer com que a mãe de Catarina encontrasse o envelope. Até que algo incrível aconteceu. Uma luz, muito ténue, apareceu em meio ao ar da sala. A mãe de Catarina estava emocionada e fora ao banheiro. Catarina também chorava, e aos poucos foi percebendo que aquela era a sua luz, e que era a hora dela deixar a Terra. E assim ela o fez.
Nos dias que se seguiram eu estava cada vez mais próximo da Eva, e Lloyd estava cada vez mais mal-humorado, como se ele não tivesse gostado da descoberta que eu havia feito. Não demorou muito para Elvis descobrir o motivo da sua permanência na Terra, e era o simples fator saudades, pois sua esposa ainda não havia superado a morte do marido. Ele então a fez uma visita e a confortou, e logo a sua luz apareceu.
Isso foi o cúmulo para Lloyd, que explodiu de raiva ao saber que o seu 'bando' estava diminuindo. Porém era compreensível. Aquela era a única família que ele havia tido em toda a sua vida, ou em toda a sua morte, e agora todos estavam partindo, o deixando sozinho. Eu e Eva tentamos o ajudar; tentamos mostrar que era preciso que ele achasse a luz dele, e que nós o ajudaríamos nisso. Infelizmente Lloyd não nos deu ouvidos, e queria ficar cada vez mais e mais na Terra, alegando que ali era seu lugar. E infelizmente Lloyd não achou a sua luz, mas sim a sua sombra; e seguiu para algum lugar menos calmo e feliz do que o lugar em que os que haviam achado a luz estariam.
E só restávamos nós, Hércules e Eva. Eu sentia que ela me desejava, me queria. E eu sabia que eu a amava, de uma forma que eu nunca havia amado antes. Por mais que o certo fosse encontrar a luz dela, eu não queria que isso acontecesse tão cedo.
E então resolvemos visitar a minha casa, que a tanto tempo eu não visitava. E ali as coisas se encaixaram; meu quebra-cabeça estava quase montado. Porque ninguém mais me reconhecia, ninguém mais me ouvia ou me sentia. Nem minha mãe, nem meus irmãos e nem os empregados. Eu era um invisível. E pela primeira vez eu consegui decifrar a minha mãe como eu nunca havia conseguido antes. O motivo dela estar triste era por minha causa, mas não por eu estar sumido por todo esse tempo, e sim por eu estar em coma profundo após ter sofrido um grave acidente de carro. Foi um completo choque para mim descobrir que eu estava quase morto, mas Eva estava ao meu lado e isso me acalmava.
Fomos então ao hospital em que eu estava internado. Não foi tão estranho quanto eu esperava ver o meu corpo completamente ferido e debilitado em uma cama de hospital. Naquele instante Eva apertou a minha mão. Agora eu poderia decidir entre voltar a ser o que eu era antes ou ser o que eu nunca havia sido: um fantasma. Que destino eu teria escolhendo morrer? Teria eu ao menos um destino digno?
Mas a escolha já estava feita, porque eu simplesmente não conseguiria voltar a ser o que eu era antes. Eu jamais seria o mesmo sem ela, eu jamais conseguiria viver sem Eva. Éramos um só, unidos por um laço tão forte e inexplicável que sempre me fazia querer estar perto dela. Eu a amava mais que tudo e a seguiria aonde quer que fosse. E logo a luz havia aparecido. De quem seria aquela luz? A minha ou a dela? Na realidade, não importava, pois nossas almas haviam se unido.
Éramos um só, como os continentes antes eram a pangéia.
E com um beijo amoroso e emocionado, seguimos juntos, de mãos dadas, para a luz que nos levaria para outro lugar. Seguimos juntos através da nossa luz.

1 comentários:

Ícaro Araújo disse...

jaum, vc lombra alto nesses posts. '-'

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