Quando dois mundos colidem - Eva

on sábado, 22 de maio de 2010
Parte II - Eva

Rápido e indolor. Foi assim que tudo aconteceu, e minha vida - ou não - mudou drasticamente. Ah, e como foi bom me levantar daquele asfalto poeirento. Senti-me completamente leve, renovada. Era como se eu estivesse subindo uma ladeira íngreme com uma mochila pesada nas costas e um alguém muito gentil e bondoso tivesse retirado essa mochila de mim. E parecia que eu nunca mais teria de carregar aquela mochila, porque eu simplesmente não conseguiria; eu não precisaria. E então avaliei o que estava ao meu redor. Exatamente nesse instante notei que havia algo realmente diferente em tudo. O mundo parecia ser o mesmo de antes, mas eu o enxergava de uma outra forma.
Tudo estava tão claro, tão evidente como nunca estivera antes. As pessoas, eu agora conseguia entendê-las, algo em que eu nunca fora boa antes. Melhor dizendo, agora eu conseguia decifrar as pessoas de uma forma tão incrível que era como se eu pudesse ler suas mentes. Suas expressões, seus códigos, nada mais era uma barreira para mim. Uma senhora que passava por perto, vestindo um casaco de lã cor de creme e um chapéu coco muito estiloso, estava pensando: 'Nossa, o que está acontecendo ali? Um acidente, mas que horrível!'. E um homem muito garboso e bem cuidado que se encontrava atento a alguma cena que acontecia ali por perto estava pensando: 'Coitada dessa moça, tão jovem, com uma vida tão bela pela frente, sendo parada de uma forma tão violenta pela morte. A mesma morte desgraçada e imprevisível que levou a minha amada, que levou a minha vida'.
Então passei a me atentar ao que estava acontecendo ali por perto. Havia um aglomerado de pessoas formando um pequeno círculo, o qual me impedia de ver o que estava no centro. E também haviam luzes, e foi como se as imagens estivessem antes deturpadas, tornando-se nítidas aos poucos. As luzes eram as de uma ambulância. Aos poucos fui me aproximando e entendendo o que estava acontecendo. De fato era um acidente, e parecia ter sido grave, visto que uma abulância estava presente no local e um amontoado de curiosos também. À medida que eu me aproximava sentia algo estranho. Um tipo de dor, mas sem ser dor; medo, mas sem ser medo. Angústia, mas sem ser angústia. E por fim, tristeza. A tristeza crua, descascada e inexorável. Porque eu consegui atravessar o amontoado de pessoas que ali estavam, e consegui ver o que tinha no centro da situação. E o que estava ali, estirado e enfraquecido, era o meu corpo. Meu corpo magro e pálido - mais que o normal -, machucado e sem vida, coberto de sangue e de dor.
Tudo fazia sentido, e ao mesmo tempo não fazia. Olhei nos olhos de todas aquelas pessoas, mas nenhuma conseguia olhar nos meus. Eu era uma invisível no meio da multidão. E se antes eu era uma nada, o que eu seria agora então? Pela primeira vez em minha vida eu queria me matar, mas eu não podia, porque eu não estava mais em minha vida, eu estava simplesmente morta. Havia batido as botas, partido dessa para melhor.
Fiquei me perguntando se aquilo era tudo. Se morrer era simplesmente isso. Vagar por aí eternamente, condenada à solidão suprema e implacável infelicidade.
Me afastei das pessoas e saí caminhando. Minha mente estava confusa; eu estava confusa. 'Mas que droga? Eva, como você é burra! Como pode morrer hoje? Justo hoje que tudo iria dar certo e que você provavelmente seria pedida em noivado? Sua... sua...' Desatei a pensar e caí em prantos. Minha vida toda fora uma droga e quando as coisas estavam prestes a mudar eu havia errado e perdido tudo.
Naquele instante senti muita raiva de mim mesma. Apesar de estar chorando, eu queria gritar, queria gritar muito e extravasar toda a minha fúria. Mas de que adiantaria? Eu era uma defunta agora, nada poderia mudar isso.
Passei por uma loja de conveniência que ainda estava aberta e resolvi testar como seria a 'vida' de uma falecida fracassada. Para minha felicidade eu consegui segurar na maçaneta da porta e abrí-la. Para mim foi natural, mas para o balconista não foi nem um pouco. 'O... o quê? A porta abriu sozinha! Socorro!'. Foi o que o balconista pensou, e saiu correndo em direção ao banheiro masculino. Segui para a seção de bebidas alcoólicas. Era tudo o que eu precisava, encher a cara. Peguei o melhor dos whiskies e sentei-me ali mesmo, no chão da loja de conveniência, arrasada, pensando em como seria meu futuro dali para frente.
Até que um homem jovem, aparentemente da mesma idade que eu, vestindo uma jaqueta de couro preta, calça jeans das melhores e com um cabelo escuro e topete encantador entrou pela loja. Ele tinha seu charme. Infelizmente, como todos os outros, ele não deveria me ver. Continuei a beber meu whisky. E então, de súbito, alguém falou comigo:
- Olá, você.

0 comentários:

Postar um comentário